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16 de Maio de 1985 (continuação IV)

 16 de Maio de 1985 (continuação IV)
09.09.23
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 16 de Maio de 1985 (continuação IV)

A jovem do castelo, como teimo em chamá-la, saiu cedo. Nem dei por ela levantar-se. Lavei-me na casa de banho do quarto, bebi dois copos de água e pus-me à janela, a magicar sobre a ausência dela. A manhã já era adulta, o sol batia forte nas ruas e nos prédios da frente. E assim mergulhado nestas observações mal me apercebi da sua entrada. Nas mãos atrás das costas escondia algo. Veio ter comigo, encostou-se ao meu rosto, e com um beijo nos lábios, deu-me os parabéns. Não me lembrara ainda do meu aniversário. E o que ela me mostrou, retirando as mãos das costas, foi um bolo de aniversário e uma garrafa de espumante. A cena derreteu-me, por completo. Mas ela não esperou pelos agradecimentos, destapou o bolo, cortou algumas fatias, arranjou dois copos, a ali mesmo em cima da cama, foi o nosso pequeno-almoço. Bolos e espumante. Rapidamente a alegria ganhou asas, com os parabéns cantados a meia voz, o líquido da garrafa a desaparecer num ápice, as roupas dela a sumirem-se do corpo, lançadas em voo às cegas para qualquer canto do quarto, pedaços de chocolate e outros cremes por mim espalhados por vários lugares do seu corpo, que eu depois o mais devagar possível lambi, e nós de novo envolvidos numa dádiva dos sentidos enlouquecidos pelo teor alcoólico da bebida. Como cantava o outro, foi boa a festa.
No final, extenuados mas belos, sujos mas felizes, embrulhámos num conjunto os lençóis da cama, limpou-se o chão, tomou-se banho e já era de tarde, perto das três horas. Decidimos sair. A cabeça um pouco tonta, mas nada que refreasse a fúria de viver. Compor a cama com lençóis lavados ficaria para depois. Saímos e caminhámos sem destino, agarrados um ao outro, e sem preocupações sobre nada deste mundo. Mesmo que um terramoto ocorresse, caminharíamos na mesma, sempre em frente, a cumprir os ditames da nossa vontade de caminhar. Súbito, ela parou. E sorriu. Pediu-me que fossemos para um descampado, um terreno sem prédios, atulhado de entulho mas com erva e flores a crescer por todos os sítios passíveis de um pouco de terra para algo germinar. Ela subiu para o alto de uns restos de parede sobreposta sobre pedaços de madeira e blocos de pedra e começou a recitar um poema de Carlos Drummond de Andrade. Primeiro em voz baixa, depois subindo de tom, cada vez mais alto, quase aos berros, não fosse a rouquidão atenuar-lhe os efeitos pretendidos.

 16 de Maio de 1985 (continuação IV)

Jornal do Centro

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