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Numa casa velha dos meus avós abri uma espécie de clube onde pretendia que se ouvisse música e se conversasse. Mas muito rapidamente se transformou este retiro num antro de ruído e confusão. Isto arrelia-me. A ideia original foi corrompida e este lugar passou a ser frequentado por pessoas que vêm só na mira do jogo. Para além do falatório que tem provocado, e dos meus tios já terem manifestado o seu desagrado, também não estou nada satisfeito com o rumo das coisas. É preciso pôr um ponto final.
Como se torna difícil numa aldeia repetir uma conversa com uma moça! Há punhais de olhos, de bocas e de ouvidos à espreita, ansiosos por carne e por sangue. Mas a paciência é uma virtude a cultivar. Neste momento em que escrevo, vejo-a passar, uma pequena, de vestido azul e andar calmo. Vem de lavar a roupa no lavadouro público, filha da terra, decerto com sabor ao sumo da uva e com a subtil firmeza de uma flor do campo.
És filha da terra
e em ti nasce o vinho e o girassol.
Em ti se abre a porta
da mais frugal claridade.
Em ti bebo a alegria de campos lavrados
e em ti escrevo o poema de um profundo
e partilhado silêncio.
Em ti fecundo
a solidão, e nenhuma palavra pronuncio.
É bom curtir-se uma de solidão. Não entendo as pessoas que ignoram o valor da solidão. Tanto se aprende e se ganha: serenidade, conhecimento de nós mesmos, distância do ruído e da multidão. A mim faz-me muito bem.
Tenho pensado seriamente fixar-me em Santa Ovaia. Não digo transformar-me em lavrador. Que o meu desejo é lecionar num liceu. Em Viseu, por exemplo. Esta pequena cidade, calma, com um desenvolvimento lento mas progressivo, oferece já boas perspetivas. Residiria na aldeia, onde é possível mais serenidade, e talvez dedicasse também algum tempo à agricultura. Ao mesmo tempo consagraria a minha dedicação à literatura. Por que não? Estou certo que este é o meu caminho.
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