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24 Setembro 1981 (continuação III)

 24 Setembro 1981 (continuação III)
28.05.22
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 24 Setembro 1981 (continuação III)

Ela disse que não se pode ser feliz com o sentimento ferido pela noção de brevidade da vida. Respondi-lhe que, no entanto, eu tinha sido feliz com ela. Que ela sempre me compreendera, com paciência e alegria. Se era do entendimento ou de uma certa intuição dolorosa não sabia ela de onde lhe vinha essa compreensão. Recordou-me que abandonara o liceu para trabalhar como doméstica em certas casas, como a da minha tia, onde foi umas vezes durante um período de doença daquela. Foi uma sorte ela ter simpatizado com a Fátima, talvez pelo feitio doce e dedicado, talvez por ver nela a filha que nunca teve, e daí tê-la convidado para trabalhar na parte comercial do Casão. E disse mais, que tinha sido a minha tia a incentivá-la a meter conversa com o sobrinho, por me achar muito fechado, tímido, ensimesmado.
Depois perguntou por mim. Respondi que andava a tirar a licenciatura em Filosofia na universidade de Coimbra. Quanto ao resto, arrastava a minha insatisfação, sempre em nostalgia, impermeável aos negócios dos homens, e irredutível ao amor das mulheres, apesar de tentar, de a sério ter tentado estancar o amor que me feria a alma.
Ela beijou-me, com as duas mãos no meu rosto.
Entretanto, a Lena voltou. A Fátima arranjou-se num instante. Ao perguntar-lhe se a podia acompanhar, ela propôs que eu aparecesse à hora do jantar.
A sala de refeições do hotel, iluminada num tom de sereno recolhimento, com os vidros das janelas desenhados com as sombras da noite, estava completa. Felizmente, o ambiente era descontraído, o que me aliviou do peso das minhas jeans quase sujas e da minha camisola enrodilhada. Mal entrei, a Fátima levantou o braço num aceno. Abeirei-me da mesa, sem saber se disfarçava a festividade que me transbordava da alma.
Ela sorriu, agarrou-me por uma mão, enquanto adiantava os lábios para um beijo. A custo contive as lágrimas.
Depois do jantar, ficámos ainda um pouco à mesa, num espírito de intensa emoção, as mãos agarradas por cima da toalha. Um silêncio de mil palavras abria um túnel por entre o sussurro que circulava em redor. Depois disse-me que desta vez não nos separaríamos sem trocar os respetivos endereços para nos escrevermos. Corei, por saber do meu desleixo das últimas vezes.

 24 Setembro 1981 (continuação III)

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