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Na tarde sexta da minha estada em Berna, a Fátima teve folga. Passámo-la no jardim das Rosas, o cenário perfeito para a minha última tarde. De mãos dadas, conscientes do fim que se aproximava, do adeus que se anunciava no nosso olhar, no ritmo vagaroso dos nossos passos, nas frases mais breves. Pensei que poderia morrer ali mesmo, pois sabia que me tinha cumprido no amor, na graça do encontro, no esplendor dos mais belos sentimentos. E disse isto à Fátima. Ela inclinou o rosto no meu ombro, disse-me que compreendia o que eu queria dizer, também ela poderia morrer feliz naquele jardim, naquele momento, na vivência plena do nosso afeto. Eram tristes as palavras que dizíamos, mas húmidas de uma funda beleza. Aliás, eramos tão belos os dois naquela última tarde! Belos esteticamente, belos nos afetos, belos pelo deus que nos habitava.
Naquela noite, jantámos na mesinha do caramanchão. Onde ficámos por muito tempo, abraçados, quase em silêncio, as palavras já não nos faziam falta. Não porque tivéssemos dito tudo, mas porque na linguagem do silêncio a comunhão era completa. Na cama, o que demos um ao outro foi a nascente de um ouro metafísico que nos preencheria por longos meses.
Parti no dia seguinte, com as saudades a comerem-me por dentro o corpo.
3 de Novembro de 1982
Mourão. Colocado numa escola a lecionar as disciplinas do ciclo preparatório: Português, História, Estudos Sociais. Mourão é uma vila tipicamente alentejana, quieta e silenciosa, em que o branco é a cor dominante. Seria uma ideia genial transformar esta vila numa espécie de retiro para meditação. É que custa imaginar uma justificação para a existência dos seus habitantes.
Esta última frase faz-me pensar na minha própria vida. Estou aqui, mas parece que só por metade. O meu desejo está para além destas casas caiadas e deste horizonte abrasador. Mas não devo pensar assim. Impõe-se que saiba aproveitar esta minha presença aqui. Posso escrever, ler, praticar desporto. E mesmo em relação aos colegas parece possível um bom entendimento.
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