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Constrange-me tanto a minha fragilidade! A solidão tem os seus males secretos e as suas ironias. A solidão vira-nos do avesso. A solidão não criativa. A solidão pura e dura. Esta solidão esmurra-nos a alma.
Estou sozinho e acabei de fumar um cigarro à janela. Um sentimento indefinido em mim. O céu ainda com uns farrapos de um vermelho envergonhado. Gosto de fumar à janela. O meu sonho é ir para o campo. Um dos meus sonhos mais antigos. Que alimento desde África. O campo, a solidão, os livros, a música, as obras sobre pintura, os filmes, o cão e o gato. As pessoas dececionam-me. Medíocres, mesquinhas, venenosas. Até ao nível profissional. Como aluno sempre pensei que os professores fossem por natureza da sua formação seres superiores, abertos, interessados e interessantes. Mas engano: poucos se elevam além do que é lectivamente obrigatório, não leem, não estudam, não pesquisam, não se interrogam. O tema que lhes agrada comentar é a sempre referida nulidade dos alunos. Interrogo-me no entanto sobre a sua qualidade enquanto alunos e são várias as dúvidas que tenho a avaliar pelo seu perfil intelectual de agora. Salvaguardo todavia a dedicação e a honestidade profissional de muitos.
O dia hoje esteve bonito, com um sol primaveril.
6 de Fevereiro de 1983
Acabo de ler uma entrevista com Mircea Eliâde. Foi uma surpresa. A ideia que tinha deste historiador das religiões, através de alguns fragmentos das suas obras, era a de uma figura seca, rígida, desmistificadora. Afinal, revela-se um sábio, aberto ao absoluto, ao sagrado. Talvez por não se fechar num método positivista, mantém a abertura para o transcendente, o oculto, o invisível, recusando portanto a ideia sartriana de um «céu deserto».
Como gostaria de mais disponibilidade para o estudo, a contemplação, a prática do yoga. Preciso disciplinar melhor os meus dias. Refrear a dispersão. Há tanta coisa por saber e fazer! Às vezes parece que a poesia em nada me ajuda a viver o quotidiano. Não consubstancia os momentos.
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