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Muitas aldeias no nosso País, desde há bastantes anos, estão a enfrentar uma situação que se tem mostrado sombria. Isto mesmo poderíamos dizer de muitos municípios e, em ambas as circunstâncias, resulta das fragilidades que se vêm acumulando: decréscimo populacional, particularmente dos mais jovens e em idade ativa, crescente escassez de recursos físicos e económicos, perda de valor das atividades económicas dominantes, maior afastamento em relação aos mercados de consumo cada vez mais concentrados em grandes áreas urbanas, fraca capacidade de geração de expectativas de vida, etc.
As forças do progresso, nestes territórios, estão em regressão.
Porém, também nos encontramos num ponto em que ainda estaremos a tempo de mudar alguma coisa e moldar o futuro. Não podemos é querer fazê-lo de forma isolada, contando apenas com as próprias forças, nem ‘voltar atrás’ pretendendo repor realidades vividas há 20, 30 ou 40 anos.
Aparentemente, alguma coisa estará a mudar quando assistimos ao ‘regresso à terra’ por parte de muitos urbanos, uns no seguimento da reforma, outros seguindo o modelo do ‘nomadismo digital’ e muitos outros apenas porque desejam um modo de vida diferente. Outro grupo, ainda, faz esse regresso em atividades de lazer durante períodos curtos de fim-de-semana aproveitando as condições naturais dos lugares mas também as ofertas de acolhimento ao nível do alojamento rural, da restauração, das iniciativas locais enquadradas pelos determinantes culturais ancestrais ligados à ‘vida no campo’, etc.
Apesar deste ‘regresso á terra’, os Censos 2021 são implacáveis: as aldeias, os municípios mais pequenos, enfim, os territórios rurais estão a despovoar-se, ameaçam extinguir-se.
Mas, para além das motivações individuais de regresso/visita, importa sublinhar que estas decisões são muitas vezes o resultado de políticas públicas como sejam, por exemplo, as intervenções favoráveis ao turismo rural, as decisões e os incentivos às Redes de Aldeias (de Portugal, do Xisto, Históricas, de Montanha, p.ex.), etc. E nestas intervenções estão muitas vezes implicados o governo central (e a UE), câmaras municipais e, naturalmente, atores locais, as pessoas que operacionalizam essas intervenções e tomam as iniciativas que estão a moldar o futuro dessas aldeias. Digamos que estaremos a lutar para mantermos o ambiente favorável à vida nas aldeias.
Mas, não é seguro que tudo isto que está a acontecer seja suficiente para revitalizarmos todas as nossas aldeias. Pelo menos, os resultados dos últimos Censos indiciam, malgrado a presença dos fatores de resistência, a sua perda continuada de atração e isto é particularmente evidente em determinadas situações: nas freguesias de menor dimensão populacional, nas mais afastadas dos centros urbanos de maior dimensão e, em particular, das áreas metropolitanas.
A situação do concelho de Viseu não se desvia significativamente desta descrição. As freguesias com maior perda percentual de população foram, em média, as mais afastadas do centro da cidade (Côta, UF Boa Aldeia, Farminhão, Torredeita, Calde, Ribafeita, UF Barreiros e Cepões, São Pedro de France, Povolide). Não podemos, porém, aceitar que esta seja a única explicação plausível, até porque as diferenças das distâncias e dos tempos a percorrê-las não são especialmente significativos. Também, na verdade, as freguesias mais pequenas (< 2 000 habitantes, em 2011) apresentam, em média, maiores perdas percentuais de população. Com efeito, 7 das 10 freguesias mais pequenas foram as que registaram perdas mais significativas de população (de -8,32%, em Lordosa, até -18,3%, em Côta). A dimensão demográfica das freguesias é importante porque a sua diminuição pode conduzir a uma escala que manifestamente as torna incapaz de assegurar o funcionamento de muitas atividades fundamentais para o dia-a-dia dos residentes. Registem-se, por exemplo, os serviços administrativos diários da própria Junta de Freguesia, a mercearia, o café ou a taberna, a associação recreativa ou o clube de futebol, a barbearia, a padaria, etc. O encerramento de algum(ns) destes serviços torna a vida na aldeia mais difícil, especialmente para aqueles que mais dificuldade têm em deslocar-se, e, por outro lado, reduz as oportunidades de relacionamento social entre os habitantes. Aqueles serviços não são apenas o lugar onde se vai comprar o pão ou o quilo de arroz, mas também os lugares de comunicação, de desabafo, de discussão, de convívio, afinal, são lugares de vida nas suas múltiplas facetas. Relativamente às freguesias do concelho de Viseu é importante atender à dimensão populacional dos lugares pois trata-se de um concelho em que cada freguesia pode conter um número significativo de residentes mas o mesmo pode não acontecer em cada povoação que a compõe. Não podemos esquecer que cada freguesia é composta, regra geral, por diversas povoações, havendo algumas que agregam um numero muito elevado: UF Barreiros e Cepões, UF São Cipriano e Vil de Soito (26 cada), UF Boa Aldeia, Farminhão e Torredeita (19), São Pedro de France (32), Silgueiros, Povolide, Coutos de Viseu e Rio de Loba (16 cada), etc. Entre as freguesias com maiores perdas demográficas nos últimos Censos figuram aquelas que possuem elevado número de povoações o que significa que cada uma destas pode atingir com relativa facilidade a escala crítica, abaixo da qual é mais fácil a desagregação da comunidade com a saída das pessoas. Em suma, o afastamento em relação à cidade e a mais reduzida dimensão populacional das povoações são, pois, fatores a ter em conta no despovoamento das freguesias. Relativamente ao concelho de Viseu importa, para além de estabelecermos um padrão da evolução demográfica, fazer uma análise caso a caso, dada a multiplicidade de fatores em jogo que influenciam, positiva ou negativamente, essa evolução que, inclusive, pode ser diferente dentro da mesma freguesia. Mapeando a evolução demográfica do concelho de Viseu pelas suas freguesias ao longo dos últimos 30 anos verificamos: O concelho de Viseu tem tido, sistematicamente, ganhos líquidos de população, mas com tendência decrescente: década 90, com um ganho liquido de população residente de +9 900 pessoas e taxa de crescimento de 11,8%, relativamente à década anterior; primeira década deste século com um ganho liquido de 5 800 pessoas e taxa de crescimento de 6,2%; e um ganho liquido de população de apenas 300 pessoas e taxa de crescimento de 0,3%, entre 2011 e 2021. Estes ganhos de população têm sido superiores aos resultados verificados em “Viseu Dão Lafões”, na Região Centro e na média do País. Apesar deste desempenho positivo, são cada vez em maior número as freguesias que estão a perder população: 50% das freguesias, na década 90; 64%, em 2011; e 80%, em 2021. As freguesias que, em 2021, perderam mais população foram aquelas que, em regra, em 2011 apresentaram maior índice de envelhecimento, isto é, o crescimento do numero dos 65 ou mais anos foi superior ao das crianças até aos 14 anos, inclusive. E estas freguesias com resultados menos positivos em 2021 são, em regra, as que se encontram localizadas a norte e ou nas extremidades do concelho, ou seja, mais afastadas de Viseu. Embora não saibamos pelos dados publicados pelo INE (Censos 2021) como foi o comportamento populacional dentro da cidade de Viseu, importa ter em atenção que a ex-freguesia de S. José estava a perder população desde os anos 90 e Sta Maria desde o início do século. Em qualquer circunstância o crescimento demográfico de Coração de Jesus compensava estas perdas. Esta questão é especialmente importante porque a ter continuado a perda da população naquelas zonas da cidade tal facto pode estar a acentuar problemas (uns que já emergiram e outros ainda não) de diversa natureza, em especial na zona histórica de Viseu. O que se pode esperar quanto à evolução da população de Viseu, na próxima década? O concelho continuará a resistir e a ganhar população? As freguesias predominantemente rurais e mais afastadas da cidade continuarão a perder população e a ritmos superiores ao que tem acontecido, em especial pelos crescentes índices de envelhecimento que se têm verificado? As previsões demográficas para o País não são animadoras no que respeita aos nascimentos esperados e o declínio demográfico parece ser uma inevitabilidade nas próximas décadas se não houver uma forte imigração. Não cometeremos grande erro se assumirmos que Viseu estará sujeito a estas mesmas tendências nacionais e os impactos na população não serão muito distintos do que acontecerá no País. Tal só não acontecerá se a ‘mancha urbana de Viseu’, cidade de Viseu e o anel de freguesias envolventes, continuar a ter forças para fixar e atrair residentes. Por outro lado, as freguesias mais afastadas da cidade tenderão a sofrer maior desgaste demográfico, embora as diferenças entre elas sugiram condições de resposta também diferentes. Nesta última década, o travão ao despovoamento do concelho pode caraterizar-se, sucintamente, da seguinte forma: Ao contrário do conjunto do País, da região Centro e de VDL, Viseu aumentou o número de residentes empregados em mais de 1 400 pessoas – o concelho (e certamente nos concelhos vizinhos aconteceu algo de semelhante) acolheu mais residentes empregados, em particular no sector da indústria e sector terciário (social), com uma ligeira perda líquida de -5% no sector primário; Embora a população residente até aos 24 anos tivesse diminuído, no concelho de Viseu essa diminuição foi menos acentuada do que na média do País, na Região Centro e em VDL. Entre os 25-34 anos a população também diminuiu e, neste caso, em Viseu essa redução foi mais acentuada – estará o concelho a começar a experimentar dificuldades em fixar a população jovem que começa a procurar no exterior empregos mais compatíveis com as suas expectativas de vida? A partir dos 40 anos a população tem um crescimento efetivo com taxas mais elevadas no concelho de Viseu. Embora a população estrangeira residente no concelho de Viseu represente apenas 3,1% do total (compara com 5,2% no conjunto do País, 3,8% na RCentro e 2,4% em VDL), ela é o resultado de um crescimento de quase 53%, acima dos 37% de Portugal. Refira-se que este crescimento mais significativo em Viseu se verificou na população com menos de 30 anos e a partir dos 40 de idade. Se, por um lado, estamos em presença de um aumento de população imigrante em idade ativa, por outro assistiu-se a um crescimento muito significativo nos primeiros anos de vida o que deixa antever uma maior probabilidade de inserção destas populações na comunidade viseense. Assim, os consigamos nós integrar. Quase 4 (3,8) em 10 pessoas empregadas residentes no concelho de Viseu possuem um curso superior. Isto foi o resultado de um aumento de mais de 4 milhares de diplomados com o ensino superior, entre 2011 e 2021. Sendo estas algumas das caraterísticas que influenciaram positivamente a evolução demográfica de Viseu na última década – os “travões do despovoamento” -, nas freguesias mais afastadas da cidade tal não aconteceu: A população residente empregada diminuiu (salvo em Lordosa ou nos Coutos de Viseu). Importa assinalar, por outro lado, que essa diminuição também se verificou no setor primário (-35%), enquanto nas freguesias mais próximas de Viseu os residentes empregados no sector primário aumentaram (+31%); Nestas freguesias, o numero de residentes com nacionalidade estrangeira apenas representava menos de 1% da população e nesta década, ao contrário da tendência generalizada, essa população diminuiu em valores absolutos; Os residentes com idades até aos 30 anos diminuíram nesta década, tal como no conjunto do concelho, no entanto, nestas freguesias afastadas de Viseu essa redução aconteceu a uma taxa que foi o dobro da média concelhia. Ao contrário, as pessoas com 65 e mais anos representam mais de um terço do total da população (34,4%) que compara com menos de um quarto no conjunto do concelho (23,5%) e do País. Embora a maior concentração dos residentes com um curso superior se verifique na freguesia de Viseu e vizinhas, as freguesias mais afastadas viram aumentar o nº de residentes com um curso superior passando de cerca de 12% para quase 15% da população empregada residente nessas freguesias. Embora seja um crescimento inferior à média do concelho, em nenhuma destas freguesia se verificou uma perda líquida destes residentes. Em termos demográficos acentuou-se a clivagem entre as freguesias do concelho: as freguesias da cidade e as mais próximas a aumentarem a população e as mais afastadas a sofrerem os efeitos do despovoamento e do envelhecimento. Se o concelho de Viseu no seu conjunto apresenta múltiplas vantagens, poderão estas expandirem-se e serem um fator de travagem do despovoamento que se verifica no “anel exterior” do concelho? (Continua)
Alfredo Simões
(ex-prof do Politécnico de Viseu)
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