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Apanhámos um elétrico para a Baixa. E fomos comer. No fim, e como a noite já caíra, fomos a pé, pela rua Augusta, até ao Terreiro do Paço olhar o rio, uma massa líquida que estagnava escura junto ao Cais das Colunas. Voltámos para trás, entrámos noutro elétrico e fomos para ao lados do Largo do Rato à procura de um bar. Entrámos num dos primeiros, ainda com pouca gente e pedimos umas cervejas. Fomos bebendo e conversando, sobre livros e autores brasileiros, sobre música e sobre nós. Aos poucos, o bar foi-se enchendo, o som da música e das conversas transformou-se num ruído de fundo e decidimos ir embora. Chegámos ao quarto ainda cedo, antes das 11 horas. Deitámo-nos. E eu pedi-lhe que lesse mais alguns poemas do seu poeta preferido. Não se fez rogada e foi com visível prazer que ora ela, ora eu, ou a duas vozes, fomos lendo alguns textos do Carlos Drummond de Andrade. Por fim, ela não leu, disse de cor o poema seguinte:
Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.
Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes
apagas
teu amor por mim…
E no seguinte
Como sabê-lo?
O poema tinha um recado. Entendi. E chorei por dentro a impossibilidade de lhe corresponder ao pedido. Porque o meu amor por ela era incompleto. Faltava-lhe o lastro da memória, a cruz das longas ausências, a escadaria dos anos de persistência, a peregrinação da melancolia, a compreensão ontológica que eu e a Fátima tínhamos harmonizado ao longo do tempo. Amava a jovem do castelo aqui e agora. Mas amanhã, já não. Como amei a Laura da adolescência, mas agora não.
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