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Vitor Santos
Ao longo da história, houve sempre profetas do fim do mundo. Geralmente ficavam-se num canto de uma rua e gritavam sobre a ignorância de todos os outros. Isso não lhes concedia grande popularidade, pois tinham do outro lado líderes e indivíduos confiantes que acreditavam poder melhorar o mundo. Claro que nessa altura não havia comunicação social nem teoria do agendamento e claro que os líderes faziam apenas o que podiam e que conseguiam com o que tinham.
Assumo que nem todos os leitores estejam familiarizados com o conceito de agendamento tal como descrito nas Ciências da Comunicação, pelo que me permito explicá-lo de forma lamentavelmente curta. A teoria do agendamento é claramente formulada nos anos 70 e afirma que os media têm uma grande influência nos assuntos do nosso dia-a-dia, moldando fortemente a nossa visão do mundo. Não nos dizem como pensar, mas dizem sobre o que pensar. Vejam o caso das guerras da Ucrânia ou da Síria. Continua tudo na mesma, mas, como os media abrandaram o discurso a esse respeito, já ninguém fala sobre isso. Podemos mesmo dizer que é como se essas guerras tivessem acabado no mundo de cada um de nós. Agora temos a guerra da Palestina e a queda do governo como os assuntos de que se fala.
Ao longo da história, antes do aparecimento dos mass-media, a probabilidade de um profeta do fim do mundo poder ascender a uma posição de liderança era reduzida, pois tratar-se-ia sempre de alguém que ficaria para trás numa corrida com um líder que apresentasse soluções. Nos dias de hoje temos assistido à subida ao poder de indivíduos que consideram ser possível beber lixívia para curar doenças, indivíduos que colocam de forma obscena a família em cargos de poder, indivíduos que consideram que milhões de óbitos não são suficientes para demonstrar que há uma epidemia mortal, indivíduos que acham que a culpa dos seus problemas é de uma etnia pobre e muito minoritária, indivíduos que aceitam dinheiro de criminosos e que tentam convencer os outros da sua retidão. Trata-se claramente da ascensão da estupidez.
Hoje em dia, os jornalistas ainda têm na sua mão o poder de nos dizer aquilo que são os assuntos prioritários para a sociedade. Infelizmente, alguns jornalistas, preocupados apenas com as audiências que enriquecem os patrões dos grupos mediáticos, têm sido desleixados nas suas escolhas e têm dado tempo de antena aos profetas do fim do mundo. Isso torna os profetas credíveis e convence os mais desprevenidos a darem ouvidos a esta ascensão da estupidez.
Como poderemos saber quem são estes profetas, de forma a podermos não os ouvir ou não os colocar na nossa agenda pessoal? O extraordinário Professor João Carlos Correia da Universidade da Covilhã faz um apanhado brilhante do discurso destes indivíduos que aqui tentamos traduzir de forma muito simples: 1) são indivíduos que não usam dados concretos sobre os problemas; falam sempre sobre si mesmos e sobre os outros. 2) Têm um líder sem o qual os outros não existem. 3) Assumem sempre que são do povo e que entendem os seus medos. 4) As suas ideias são sempre simplistas e anti-intelectuais, minimizando os intelectuais, usando mensagens curtas e emocionais. 5) Assumem sempre que a sua ação já está a acontecer e que já são milhões a partilhar das suas ideias (mesmo quando são só 12 pessoas). 6) Falam sempre de Deus e da família. 7) Falam sempre da Pátria como algo que se perdeu, mas que eles irão restaurar. 8) Os seus adversários são sempre diabolizados e desmerecedores de qualquer consideração. 9) Usam uma narrativa com poucas palavras, usando sempre as mesmas para todos os assuntos.10) Os seus discursos públicos são sempre teatralizados e exagerados. 11) Verbalizam frequentemente aquilo que seria inapropriado para pessoas na sua posição, desarmando ilegitimamente os seus opositores.
Num período de preparação de novo ato eleitoral, o discurso a esperar desses profetas será sobre a corrupção dos líderes, sobre a desgraça e o horror em que a Pátria estará, sobre as famílias dos bons patriotas que estão em risco. O seu discurso ditará sempre o enxovalhamento de todos os líderes e intelectuais, o enxovalhamento dos estrangeiros e minorias, em suma, o enxovalhamento e a ausência de propostas eleitorais efetivas.
Cabe a cada um decifrar estes sinais, mas sobretudo, cabe aos jornalistas escolherem se querem dar tempo de agenda a estes profetas que essencialmente enchem os dias de ódio, esvaziando-os de soluções.
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Joaquim Alexandre Rodrigues
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