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Comenta, a propósito da poesia de Sophia de Mello Breyner Andersen, a mesma ideia de há uns tempos, a de que um autor não precisa de ser propositadamente obscuro para escrever sobre o absurdo da vida ou sobre o sentido trágico da viagem humana. Pode-se escrever com simplicidade acerca do mar, das conchas, dos búzios, da espuma das ondas, da areia e do vento, do luar, dos pássaros e da noite, sem pieguices, sem falsos rendilhados, e, no entanto, transmitir ao leitor o sentido da perfeição e do mistério, do reencontro individual com a solidão, enquanto lugar de unidade com o que há de mais verdadeiro, livre e puro em nós. E a Fátima conclui que com a poesia de Sophia tornamo-nos melhores, ela exercita em nós uma catarse libertadora. Basta-nos esta poesia para uma vida, escreve-me ela. Sophia e Mozart, acrescenta. E termina a carta com um breve poema:
Pudesse eu
Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes!
8 Outubro de 1985
Abri o diário, mas sem saber o que escrever. Interrogo-me sobre as razões deste projeto. Penso no diário de Anais Nin. Acabei de o reler; o que escrevo é muito mais centrado em mim, nos meus sonhos e preocupações. O mundo permanece exterior, como que sem interesse. É verdade que não conheço artistas e a minha vida não é interessante como a dela, mas acontece que raras vezes as minhas vivências se refletem nestes cadernos. São sobretudo os sentimentos a matéria-prima deste trabalho.
Mais um dia de solidão. A ler Montaigne. De manhã, fui a Lisboa a uma livraria à procura de algum livro de Plutarco. Não o encontrei, mas trouxe dois livrinhos da Sophia de Mello Breyner Andresen. Telefonei à jovem do castelo, que me acompanhou. Agora, em casa, ouço umas suites para violoncelo de J. S. Bach.
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