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Foi precisamente há 50 anos que os roma ganharam direitos de cidadania em Portugal. O 25 de Abril trouxe à comunidade cigana uma “nova” resistência que, asseguram, lhes corre nas veias há séculos e séculos. Apesar de terem chegado ao país há 500 anos, os estigmas que subsistem na sociedade faz parecer que chegaram ontem.
Provenientes da Índia, os rom ou roma – termo que engloba os três grandes grupos de ciganos de todo o mundo, os rome, os manouche e os calés – chegaram à Península Ibérica nos finais do século XIV. Em Portugal entraram vindos da Andaluzia, entrando pelo Alentejo, e desde cedo a vida a não lhes foi facilitada.
Em território nacional, a primeira lei repressiva está associada a D. João III, que a pedido das cortes de Tomar ordenou que os roma fossem expulsos e que fosse proibida a entrada de outros. Só em 1822, depois da Revolução Liberal, passaram a ser considerados cidadãos portugueses. No entanto, era apenas formal e as descriminações persistiram. É com o 25 de Abril que os roma ganham direitos de cidadania, mas 50 anos depois a luta continua.
“Temos cicatrizes do tempo, com 500 anos, mas também temos e carregamos nas nossas veias a resistência”, afirma Bruno Gonçalves, também ele um roma e uma voz que grita pela mudança e pelo fim do preconceito.
Para o autor de dois livros que dão a conhecer a história desta etnia, e que recentemente esteve em Viseu a apresentá-los, é preciso “conhecimento”, pois só assim se poderá conviver. “A convivência vem pelo conhecimento, se nos conhecermos bem talvez a convivência seja melhor. Não temos que coexistir, temos que conviver”, sublinhou. Bruno Gonçalves admite que há muitos “fantasmas” relacionados com a comunidade cigana e que isso também não ajuda a que os estigmas caiam por terra, mas lembra que “comportamentos não definem uma comunidade, que é muito mais do que esses fantasmas”. “Há ventos que sopram em contrário, há fantasmas que pairam no ar, mas somos muito mais do que isso. É importante termos pessoas que resistem e insistem na sociedade multicultural”, frisou. No entanto, destacou Bruno Gonçalves, muito se tem feito e “as mentalidades mudam”, para ambos os lados. “Somos uma comunidade que foi forçada a ser nómada, com as leis repressivas e, por isso, os pontos de partida não podem ser iguais. Há necessidade de as pessoas terem um pouco de paciência, mas não têm e as mentalidades não se mudam de um dia para o outro, é geracional, demora gerações”. E nesta mudança, os filhos da liberdade também são o “segredo”. “Temos filhos de Abril e os filhos de Abril vão ter que nos ensinar que temos que lutar. A democracia é muito jovem, mas temos que lutar por ela. Hoje, o espetro político diz-nos que temos uma ameaça, mas vamos vencer”. Já questionado sobre políticas de apoio à comunidade, Bruno Gonçalves lamenta que “em 500 anos, tenha havido apenas uma política direcionada para as comunidades ciganas, que é a Estratégia Nacional para as Comunidades Ciganas, de 2013”, lembra ainda a necessidade de terem um “gabinete” próprio, saindo da alçada da Agência para a Integração Migrações e Asilo. “Costumo dizer que é melhor ter do que não ter, mas vou lutar com todas as forças para que continue a haver diálogo com o Governo, como sempre houve”.
E se está a perguntar-se porque começamos o texto com a palavra roma, e não cigano, a resposta é simples. Acredita-se que dentre de alguns anos esta seja a palavra mais utilizada. Roma foi usado pela primeira vez no congresso mundial romani, em Londres, uma vez que a palavra cigano está muito ligada ao preconceito.
Portugal vai estudar comunidade cigana
Estima-se que há em Portugal milhares de pessoas da comunidade cigana, no concelho de Viseu deverão ser cerca de 1500 e no distrito cinco mil. Não há dados concretos, mas Portugal está a preparar um estudo nacional para conhecer a comunidade, quer na quantificação, quer na caracterização.
O estudo deverá arrancar em maio, tem a duração prevista de dois anos e será elaborado por um consórcio académico. É financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), na sequência de um concurso público, em que venceu o projeto apresentado pelo Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras do Porto e o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES), do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.
Maria Manuela Mendes, da equipa do CIES, afirmou em declarações, que o estudo deverá começar a ser feito brevemente, em princípio em maio, tendo em conta que ainda falta aguardar pelo fim do prazo para que os outros projetos contestem o resultado do concurso.
A investigadora adiantou que o objetivo é “fazer um novo estudo sobre a população cigana” depois de o anterior ter sido publicado em 2014, e atualizar o diagnóstico e o conhecimento sobre as comunidades ciganas. “Até avançar noutras frentes, nomeadamente um conhecimento histórico mais aprofundado sobre a presença também das pessoas ciganas em Portugal, que é uma coisa que não está muito desenvolvida e não há muito conhecimento produzido a esse propósito”, explicou. O primeiro, e até agora único, estudo nacional sobre as comunidades ciganas, encomendado pelo Alto Comissariado para as Migrações, realizado em 2014, com base em entrevistas a 1.599 pessoas ciganas, revelou que os ciganos portugueses tinham baixos níveis de escolaridade, casavam cedo e faziam da venda ambulante a principal atividade económica.
“Conhece-me antes de me odiares”
Bruno Gonçalves tem sido um dos grandes responsáveis por desmistificar a comunidade cigana no país e não só. Em 2011 escreveu o primeiro livro e “por necessidade”. “Enquanto mediador intercultural sentia que havia um grande vazio a nível de livros interculturais e nos manuais escolares. então decidi que a cultura cigana tinha que estar também nas escolas”, começa por explicar.
“A história do ciganinho Chico” é um livro infantil e que vai já na segunda edição. “A história do ciganinho Chico” é a historia de uma criança cigana curiosa que pergunta à mãe acerca da história e cultura cigana e a mãe também desconhece e essa é uma realidade que ainda temos, as comunidades ciganas desconhecem a sua história, não a cultura, mas a sua história. A partir daí, é o avô, que tem o dom da sabedoria, que lhe conta as origens e a cultura”, explica o autor.
No fundo, acrescenta, o livro serviu “para mostrar a todas as crianças, ciganas e não ciganas, que há um povo que está cá há cinco séculos, com uma história e uma riqueza cultural e que faz parte desta sociedade. A ideia foi tentar colmatar essa lacuna que ainda continua a haver nos nossos manuais escolares e quando se fala nos ciganos é de uma forma folclórica”, frisa.
O outro livro, “Conhece-me antes de me odiares”, é muito recente e também “era uma necessidade”. Segundo Bruno Gonçalves, o país “está num espetro político muito radical à direita e era importante dar a ferramentas de conhecimento”, disse.
O autor garante que estas foram as duas únicas obras que escreveu, até porque “existem cada vez mais jovens ciganos a escrever, já noutras áreas de ficção por exemplo”. “Já me sinto feliz, penso que já fiz a minha parte”, concluiu.
“A descriminação e o preconceito vêm da ignorância”
Para assinalar o Dia Internacional das Pessoas Ciganas, o núcleo de Viseu da Associação Olho Vivo organizou uma iniciativa que decorreu no Carmo’81 e que deu a conhecer os livros de Bruno Gonçalves e a história de Vânia e Verónica.
Para Carlos Vieira, da associação, estas iniciativas continuam a fazer sentido para dar um maior conhecimento à população. “A descriminação e preconceito vem da ignorância, quando conhecemos as pessoas isso cai e começamos a apreciar o que os outros têm de bom”, sublinha.
Em 2016, a Associação Olho Vivo criou o círculo cultura cigana, “exatamente para divulgar a cultura e história da cultura cigana e combater o estereótipo e os preconceitos”. O responsável lembra que os ciganos estão no país há 500 anos e as questões de descriminação ainda persistem, algo pela qual a associação tem vindo a lutar.
“Ainda existem descriminações, estigmas sociais. Há problemas, por exemplo, com a habitação e temos denunciado isso, como o problema de Paradinha, puseram aquilo no meio do “deserto” e mesmo assim sofreram com a população, não toda, felizmente”, recorda.