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Novos fanatismos na era do hiperindividualismo

 Novos fanatismos na era do hiperindividualismo
20.09.24
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 Novos fanatismos na era do hiperindividualismo

por
Jorge Marques

No Solar do Vinho do Dão realizou-se a 14 Setembro mais uma Conferência do Beira-Observatório de Ideias Contemporâneas Azeredo Perdigão, com o tema em título. Era um dia especial, o nosso ilustre conterrâneo faria 100 anos. O Prof. Oliveira Martins (Administrador da Gulbenkian) lembrou a figura de Azeredo Perdigão, um homem sempre ligado ás ideias contemporâneas. É essa herança que nos deixa com a Fundação Calouste Gulbenkian, agora parceira do Observatório Beira. Azeredo Perdigão esteve presente na sala da conferência, ouviu a música do seu Conservatório e as intervenções de:

Gilles Lipovetsky – É um filósofo francês teórico da Hipermodernidade. Tem uma vasta obra, quase toda publicada em Portugal: A Era do Vazio, A Felicidade Paradoxal, A Sagração da Autenticidade, A Nova Era Kitsch.

O que é a Hipermodernidade? É uma tese que nos diz que a Modernidade trouxe um conjunto de valores. Quando se começou a falar da pós-modernidade havia a expetativa do novo, mas o que aconteceu? Ele defende que não surgiu nada, nem sequer a pós-modernidade. Os valores herdados não foram substituídos e apenas entraram num excesso sem limites, na era do “Hiper”. Diz isto á vontade, porque foi um dos que mais popularizou a ideia da pós-modernidade como uma nova realidade. Não aconteceu e deu lugar á hipermodernidade, hiperindividualismo e a novos fanatismos! Quais eram esses valores da modernidade? O valor do indivíduo e da democracia em primeiro lugar, depois a valorização do mercado e por fim a valorização da tecnociência. Nada disto foi substituído, apenas radicalizado. Quer dizer que não houve oposição a este modelo, apenas se alteraram as prioridades, a velocidade e a introdução do hiper

Os valores da modernidade deixaram de ter limites! No Hiperindividualismo substituíram o “penso, logo existo” pelo “estou ligado, logo existo”. Passamos do mundo do pensamento para o Matrix, uma espécie de pornografia onde está tudo á mostra e para ser avaliado. Na Democracia fomos demasiado otimistas ao pensar que dogmas, fanatismos e extremismos tinham acabado. Para 20% dos europeus é o pior regime! Perde-se a confiança nos partidos políticos tradicionais, nas instituições e a política já não oferece esperança. A ausência do verdadeiro debate político traz discursos de ódio, fanatismos e medo. No Mercado cria-se a ideia de que ele é capaz de resolver todos os problemas. Uma ideologia radical e absolutista que toma conta de todas as atividades humanas e onde 1% dos mais ricos possui 43% da riqueza mundial. Na tecnociência surge o cyber liberalismo que controla indivíduo, opõe-se a qualquer regulação, ataca o Estado e a sociedade organizada.

Gilles Lipovetsky ao longo da sua obra aponta soluções, algumas delas já vem do tempo de Platão (Séc. IV a.C.). Uma diz que a Escola Pública não é uma despesa, mas um investimento para o futuro. Que é preciso pagar bem aos professores e ensinar os alunos a respeitá-los. Diz mesmo que “nem tudo pode ser discutível”, que o professor tem que recuperar a autoridade. Que apesar da enorme importância dos computadores e dos meios digitais, eles não resolverão todos os problemas! Pensar o contrário é um erro grave! A Hipermodernidade que fabricou o Hiperindividualismo traz extremismos, fanatismos ideológicos, do mercado e do poder tecnológico. Esse não será um mundo de liberdade/justiça. A retórica será mais violenta, discriminação dos grupos minoritários, desqualificação dos media e o colocar de uns contra os outros. Em tudo isto a democracia liberal não está a cumprir o seu papel na luta contra a intolerância, porque não basta lutar para ganhar eleições! Um panorama onde é fácil cair no fanatismo, basta a imprevisibilidade e a necessidade de pertença para levar as pessoas por esse caminho.

Pacheco Pereira teve uma brilhante intervenção no início da tarde. Conhecemos o homem e a sua obra, o historiador, mas ele fala de “quando a história anda para trás”. Diz que Trump apenas incorpora os valores da modernidade de hoje, a mentira, fake news, ressentimento da luta de classes, individualismo exacerbado e que foi eleito pelas classes mais desfavorecidas. Tudo isto pode culminar numa ideia que parecia nunca fazer sentido, o fim das cidades, países, civilização. Pela primeira vez o Homem tem condições de acabar consigo mesmo através do termonuclear! Há ameaças á democracia, mas não há crise civilizacional. A história tem perigos que estão á vista de todos e se podem correr mal é natural que corram (Lei de Murphy). Alguns já estão a acontecer na sociedade, mas também na escola. Sabe-se da crise da leitura, que isso provoca a diminuição de vocábulos e a língua fica cada vez mais fraca.

Maria João Marques, jornalista, comentadora foi ainda mais clara e chamou as coisas pelos seus nomes. Falou do Fanatismo Político na sua expressão tribal. Uma espécie de tribos que atacam quem não é igual, quem não pensa igual, quem não pertence ao mesmo partido político, como se fosse um clube de futebol. A incrível negação da verdade e a aceitação das mentiras diárias vindas dos partidos políticos. As opiniões das outras tribos nunca tem razão, são sempre distorcidas, diabolizadas. Ouvem-se afirmações como esta: Odeio as pessoas do outro partido; 38% dos questionados dizem usar qualquer estratagema para ganhar eleições! Estamos a construir que democracia? Que futuro?

Manuel Maria Carrilho encerrou a conferência com a mesma qualidade! Veio falar da banalização do fanatismo e das suas mais recentes correntes. Correntes do exagero e que se comportam como uma religião cheia de dogmas ou de um tribunal que julga sem direito a defesa. A criação de um estatuto de vítima e vitimização, mesmo sem prova de culpa. O não direito á diferença de opinião, o sou o que digo que sou! O julgamento automático e selvagem. O primado de que as ideias já não são para discutir, mas para destruir. A acusação sem direito a defesa. Tudo onde parece que já não há limites!

Falta referir, para além de M.M.Carrilho, duas pessoas que estão na origem do Observatório Beira. Henrique Monteiro que moderou a conferência e Eduardo Pinto o maestro que faz acontecer. Garantiram a logística a Câmara de Viseu e a Associação Viriatos14, ambos membros do Beira.

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