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Paulo Almeida Castro Daire
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Colchão quente

 Colchão quente
24.01.25
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 Colchão quente

por
José Carreira

Quando a temperatura baixa até aos 3 graus negativos, valorizamos mais as nossas casas e quão bom é ter uma cama quente. Ainda que possa, numa primeira impressão, parecer paradoxal, há quem tenha um colchão quente porque não tem uma casa. São cada vez mais as pessoas, que vivem em Portugal, sem acesso a uma habitação digna e que alugam um colchão por turnos, dividindo-o com outros “inquilinos”. A última edição, em suporte papel, da Humanista (revista da Amnistia Internacional) tem a habitação (melhor dizendo, a falta de habitação) como tema central. Nove fotojornalistas percorreram o país para apresentar um retrato do estado do direito à habitação em Portugal, em diferentes comunidades e distritos. A revista tem registos fotográficos (de Sara Dias Oliveira, Ana Brígida, Filipa Leite Rosa, Maria João Gala, Adriano Miranda, Paulo Pimenta, Mário Cruz, José Fernandes, João Porfírio e Rui Soares) que evidenciam a existência de “casas que não são casas”; “tetos que não são tetos” e “abrigos que não são abrigos”. Ser criança e crescer num acampamento, ser idoso e viver só, entre quatro paredes gélidas, ou constituir uma família que sobrevive no meio de ruínas são realidades que têm vindo a crescer. Há bairros degradados, “casas” insalubres, barracas, tendas, sobrelotação, cartões a servir de teto. Há casos de extrema vulnerabilidade habitacional. Os alojamentos sobrelotados aumentaram 17,1% numa década (de 2011 a 2021), sendo necessárias, segundo o INE, 137 mil casas para suprir a sobrelotação e a indignidade que caracteriza a habitação de muitas famílias. A casa é o nosso “porto de abrigo”, o “aconchego”, a base das nossas vidas, o último reduto, um direito básico. Ter uma casa digna não pode tornar-se num luxo, só ao alcance de alguns, deve ser um direito de todos. Encolher os ombros não pode ser a solução, quando o problema nos parece ser do outro, família monoparental, desempregado, fragilizado, migrante, sem abrigo, pobre, vulnerável. Não olvidemos também quem tem uma casa e faz um esforço colossal para honrar os compromissos com a Banca e o Estado e dar as condições mínimas aos seus entes queridos. A habitação representa, em alguns destes casos, 60% das despesas do agregado familiar, obrigando a muitas privações e esforços continuos anos a fio. Quando algo não corre como esperado – inflação, desemprego, divórcio, doença (…) – quem lutou por ter o seu lar pode, de um dia para o outro, estar em maus lençóis e engrossar o grupo de pessoas em situação de vulnerabilidade. Em 2023 a palavra do ano foi “professor”, em 2024 “liberdade”. Neste ano, que agora se inicia, proponho “habitação”. A falta de habitação acessível é um desafio cada vez mais difícil de superar. Nada se resolverá com a intensificação da crispação política, num pingue pongue inconsequente entre governo e oposição. A gravidade da situação exige consensos e compromissos duradouros, imunes aos ciclos políticos. Se não houver visão, razão e coração a realidade esmagar-nos-á.

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