Mutimati Barnabé João nasceu e viveu em Moçambique. Foi um guerrilheiro moçambicano que, lutando pela independência do seu país, acabou por morrer em combate — mas não sem antes deixar um pequeno livro, “Eu, o povo”. João Pedro Grabato Dias foi um poeta moçambicano. Em 1968, enviou um texto para o júri do Prémio de Poesia do Concurso Literário da Câmara Municipal de Lourenço Marques, atual Maputo. Este júri foi surpreendido pelo texto de João Pedro Grabato Dias. De qualidade superior aos outros textos recebidos, o poema de Grabato Dias acabaria por ganhar o prémio e ser, ao mesmo tempo, publicado no semanário “A Voz de Moçambique”. Em 1970, publicou a sua obra, intitulada “40 e Tal Sonetos de Amor e Circunstância e Uma Canção Desesperada”. Grabato Dias foi ainda responsável por criar, em conjunto com Rui Knopfli, a revista “Caliban”, em 1971.
Ambos os escritores, Mutimati Barnabé João e João Pedro Grabato Dias, vieram para Portugal em 1984, e ambos faleceriam em Santiago de Besteiros, em 1994. Isto porque Mutimati Barnabé e Grabato Dias são, na verdade, heterónimos do poeta, pintor, escultor (apicultor) e arquiteto António Quadros.
Francisco Keil Amaral — mais conhecido por Pitum Keil Amaral — e a sua mulher, Lira Keil Amaral, descreveram António Quadros ao Jornal do Centro deste modo: “Ele era o Quadros, e onde ele estivesse era ele. Apoiou artistas locais como o Malangatana, promoveu e apoiou exposições locais, e criou-se lá [em Maputo, anterior Lourenço Marques] um centro. Dava-se muito bem com a população negra toda, não havia diferenças. (…) Fartou-se de pintar, mas pintou sempre à maneira dele. Era muito pessoal e manteve sempre o seu estilo.”
A partida de António Quadros para Moçambique aconteceu apenas em 1964. Antes, frequentou a Escola Superior de Belas-Artes do Porto. Entre 1958 e 1959, frequentou a Escola de Belas-Artes de Paris com uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, onde estudou a gravura e a pintura a fresco. Em 1964 parte para Moçambique a convite do arquiteto José Forjaz, que estando já sediado em Maputo, deslocou-se a Portugal para recrutar pessoas que pudessem ajudar no desenvolvimento do país. Pitum e Lira também foram mais tarde convidados por José Forjaz, mas “como cooperantes não oficiais do governo moçambicano”.
O casal conhecera António Quadros na Escola Superior de Belas-Artes do Porto, mas perdera contacto com o pintor durante os anos que este esteve em Moçambique antes da chegada de Lira e Pitum, em 1978. Por essa altura, já António Quadros vivia em Maputo há 14 anos. Apoiante “discreto” da FRELIMO durante a luta pela independência de Moçambique, o artista continuou a escrever, a pintar, a fazer cerâmicas e, de certo modo, procurou “integrar-se na sociedade”. Depois da independência, segundo o casal, António Quadros passou a ter alguma força dentro do próprio governo moçambicano, assim como na Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo.
Nesta universidade, António Quadros desenvolveu um curso com o objetivo de ajudar a população moçambicana a criar infraestruturas com os recursos disponíveis. Este curso denominava-se TBARN — Técnicas Básicas para o Aproveitamento Racional da Natureza. Este curso, contudo, acabaria mais tarde por ser encerrado. “Os africanos não acharam que aquilo fosse o caminho. Para eles era fazer logo o melhor, arranjar o melhor que houvesse, para estar a par dos países evoluídos, para copiar o Ocidente”, contou Lira Keil Amaral. “Queriam imitar a Europa, mas não tinham conhecimentos suficientes.”
O casal contou como na altura, em frente à sua casa em Maputo, havia uma escola secundária. “O diretor da escola tinha 19 anos. Conseguira fazer o liceu até ao fim, e ficou o reitor do liceu”, disseram os dois. “O que é que aquele rapaz sabia de conhecimento de gestão? Não sabia. E isso era a população de uma maneira geral.”
Em África, Pitum e Lira descobriram uma nova paixão de António Quadros que extravasava a arte: a apicultura. “Ele fizera uma casa, e era em duas partes, com um pátio no meio e tudo morado. Num lado era a residência e no outro eram as abelhas. O pátio era onde as abelhas andavam, e metia assim um bocadinho de medo ao princípio”, confidenciou Pitum. “Ele sabia tanto de abelhas que até descobriu uma abelha nova.”
Mesmo longe de África, já em Portugal, o continente ancestral não se desprendeu de António Quadros. “Nós em 1993 fomos o primeiro grupo de teatro a adaptar os contos de Mia Couto a teatro. Por acaso o António Quadros foi ver o espetáculo, e nós tivemos uma grande estima em tê-lo na plateia e em falar com ele a seguir”, explicou José Rui Martins, atual responsável pela ACERT.
Da vida de um artista e filantropo, ficam acima de tudo três coisas importantes desenvolvidas em Moçambique. Além da sua obra plástica, ficam vivas a obra literária de António Quadros e o seu grande projeto universitário, o TBARN.