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Eu – Nós – Eles

 Eu – Nós – Eles
19.05.24
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 Eu – Nós – Eles

por
Jorge Marques

Herdámos do Séc. XX alguns erros que temos dificuldade em reconhecer, refletir e corrigir. Entre eles, talvez os mais relevantes sejam: a incapacidade de reconhecer e gerir o individual e de o integrar em termos coletivos; o vício da igualdade e a destruição sistemática da diversidade; a deficiente interpretação e prática da ideia de liberdade. É verdade, nós lidamos mal com a autonomia, com o fazer pessoas livres e ao mesmo tempo interdependentes. Quer dizer, cada um teria o seu espaço de criação e ação, mas ao mesmo tempo saberia que o sucesso depende do coletivo. Errámos ainda na ideia de que aquelas pessoas que detinham os vários poderes, poderiam ser mediadores entre o individual e o coletivo. Permitimos até que eles escorregassem para o Mau Ego e se transformassem em puros instrumentos de um poder que só se alimenta a si próprio. Fizemos até da diversidade, uma das riquezas da sociedade, um certo tipo de discriminação negativa.
Tudo porque era mais fácil controlar o rebanho do que liderar o indivíduo. Os nossos erros sistemáticos começaram aqui e deram lugar às falsas decisões, consensos e compromissos pobres em qualidade, politicamente corretos, mas nos quais não se acredita. Os nossos consensos são formas disfarçadas de pressão através de um estatuto, uma chantagem, um compromisso de poder e não a procura da melhor ideia ou solução. Claro que trabalhar com a diversidade é sempre mais difícil, dá mais trabalho, mas isso acontece porque se desistiu de aprender com esta prática. Porque trabalhar com as diferenças exige criatividade, inovação e decisões inteligentes. Porque face a duas propostas antagónicas, a solução é criar em conjunto uma terceira e não fazer o jogo do teimoso.
Eduardo Lourenço, que morreu em 2020, foi um dos nossos maiores pensadores. Fez o nosso retrato num ensaio a que chamou “O Labirinto da Saudade”. Dizia que somos um país de pobres com mentalidade de ricos e sempre preocupados com a imagem. Procurou em Pessoa alguma da sua inspiração sobre este tema e encontrou-a no “Preconceito da Ordem”: Tão regrada, regular e organizada é a vida portuguesa, que mais parece que somos um exército que uma nação de gente com exigências individuais. Nunca o português tem uma ação sua. Age, sente, pensa em grupo e está sempre à espera do outro para tudo. Portugal precisa de um Indisciplinador, porque os que temos tido tem falhado…
É verdade, vivemos entre dois tons, o primeiro e mais generalizado aponta o dedo acusador ao ELES, esses governantes que são responsáveis por tudo o que acontece de mal. O segundo é o NÓS, mas do qual fugimos quando toca a doer ou temos que nos comprometer. É esse falso NÓS que nos torna irresponsáveis individualmente! E porquê? Porque a mudança começa no EU, sem o qual nada muda ou muda para que tudo fique na mesma. Mesmo quando aparecem fi guras que poderiam fazer a diferença pela positiva, não conseguimos aguentar o seu passo e nem realizar grandes obras. Não sabemos gerar talento, nem liderança e por isso vamos preferindo a mediocridade. E porque será? Porque ela nos permite o sentido da irresponsabilidade e sonhar com heróis, alguém que por magia nos vai tirar do sufoco, mas sem sacrifícios.
Mas somos um povo trabalhador? É verdade, somos um povo morto de trabalho, mas a nossa classe historicamente privilegiada é herdeira da tradição guerreira do não trabalho e parasita do trabalho dos outros. Não trabalhar foi um sinal de nobreza! Nós não apanhámos a tempo o comboio da Europa, essa que converteu o trabalho em sinal de eleição e meio caminho para o céu. Lá o trabalho não era castigo! Mas nós teremos sido sempre assim?
Não! Fomos diferentes na entrada da Era Moderna que começa no Séc. XV e por coincidência através do primeiro Duque de Viseu. Fomos o NÓS, com Clero, Nobreza e Povo na mesma Empresa! Tudo começou numa aventura da mente do nosso Duque, no resultado da imaginação da sua cabeça. Uma cabeça que nos está a faltar agora, uma ideia que junte o país, mesmo aqueles que começam por se opor sistematicamente. Se perdemos as mentes, foi porque também perdemos o hábito de pensar por nós mesmos, porque temos dificuldade de acreditar no EU.
O nosso problema não é a economia, mas a falta de uma ideia mobilizadora para o país e para as suas forças vivas. O novo capital é uma ideia nova que mistura inovação e empreendedorismo, porque é preciso sempre fazer acontecer. As crises estão na falta de confiança a montante e na falta de pessoas talentosas que trabalhem em equipa e façam parcerias produtivas.
Os grandes mestres da liderança vêm dizendo, já faz algum tempo, que faltam lideranças em equipa, que o modelo de liderança centralizada está a perder força, que Portugal tem talento de classe mundial. Temos que inverter o nosso sentido do Fado, fazer dele a saudade do futuro e não uma amarra no presente. Até a ideia de concorrência aparece com o seu lado perigoso! É que os concorrentes estão todos a prestar atenção às mesmas coisas e até a ouvir os mesmos conselhos. Fez-se uma concorrência sem ambição e que conduz a um único resultado: a vitória do preço, esmagar margens e morte das empresas.
A solução é inovar em tudo, reinventar até a inovação e cooperação. Tudo isto também é aplicável à política, porque ela não pode ser uma ilha independente ou o paraíso dos seus moradores! Parece caricato, mas temos que trazer para a cena dois tipos de ignorância contraditórios. Uma para acabar com ela e a outra para a aprender e cultivar! Uma para combater a ilusão de que sabemos muito, a outra para constatarmos que com tanta mudança e novidade estamos com dificuldade em perceber o que se passa. A solução é aprender a fazer diferente! Para que isso aconteça precisamos de criar tensões aos dirigentes, para que não trabalhem sozinhos e continuem a aprender. Nós temos um problema sério, existe uma ignorância má com poder, que confunde o seu conforto com sabedoria e que se recusa a aprender e a mudar…

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