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Sempre tão ferido de saudades! Saudades de tudo, às vezes apenas porque já passou. Dela, por exemplo, minha companhia em tantas tarde aborrecidas. E ela lá estava, ao meu lado, sem exigências de palavras, sem pedidos sentimentais, desinteressada do futuro. No fundo, à espera de uma palavra, da expressão de um sentimento, de um sinal para um amanhã. Quem sabe se a sua entrega absoluta não era a estratégia para obtenção do que desejava. Mas também eu tenho pena, pena de tudo o que poderia ter sido e não foi. Havia nela a largueza interior da paisagem alentejana. Pouca trabalhada, é verdade, faltavam-lhe ainda as palavras para preencherem aquela amplitude de alma. Sinalizei o modo como a sua sensibilidade foi tocada pelo livrinho lido a dois. Um pouco mais, e talvez ela se transforme numa jovem diferente, capaz de outra profundidade, como algumas vezes mostrara e me surpreendera.
22 Julho 1983
A vida para mim tem sentido quase só através do amor e da poesia. Talvez eu seja um dependente afetivo. Mas não compreendo a frieza das pessoas práticas e objetivas. Para mim, tudo ganha sentido na medida em que é impregnado por uma vivência amorosa. São os tais «passos desejados a dois» de que falava um poeta francês. Não sei se isto será muito inteligente, mas que se lixe. Vivemos à margem da alegria. Nos compêndios respira-se uma atmosfera sombria. A escola, a televisão, a sociedade, raras vezes transmitem alegria. Alegria. Ninguém nos ensina a viver numa entrega sem ressentimentos, sem preconceitos, sem desconfianças. Uma folha em branco. Como se fosse a própria existência. E nela inscrever a palavra clara, o gesto luminoso, configurar o desenho pioneiro, semear a melodia exata. Para trás, deixar a dureza dos punhais. Abandonar o campo das batalhas, das derrotas ou vitórias. O objetivo será a vivência da serenidade da águia no seu trajeto alto e todo feito de um orgulho interior.
Ah! Em breve, o tempo da flor azul. Em breve, o dom do amor. Preparo-me para os dias que estão para chegar. Fisicamente, com a diminuição do tabaco e as corridas matinais. Por dentro, com poesia e as últimas cartas da Fátima. Leio-as como um padre lê o breviário. São o meu instrumento de redenção. Coso-as na alma, para que esta levante voo por sobre o casario e os campos, se eleve da mediocridade quotidiana, se liberte da ferrugem dos sentidos e do pecado das minhas fraquezas.
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Joaquim Alexandre Rodrigues
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