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Fragmentos de um Diário – 22 de Julho de 1981

 Fragmentos de um Diário - 22 de Julho de 1981
05.03.22
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Mais uma vez me desliguei deste diário. Os motivos são vários, e a preguiça é um dos mais fortes. Acontece que nunca escrevi diretamente nos cadernos; primeiro fazia um rascunho e só depois o copiava para aqui. Agora decidi mudar: é que acumulava muitos apontamentos e desanimava de os transcrever. Passo a escrever de imediato aqui. Claro que o método anterior tinha a vantagem de poder corrigir, melhorar a exposição. Mas agora penso que serei mais pontual no cumprimento deste ritual. Faz-me bem escrever, funciona como uma terapia da alma.   
        Uns meses se passaram. Eu permaneço com as mesmas interrogações, as mesmas dúvidas, a mesma busca, o mesmo desamparo, os mesmos sonhos. Ou quase. Algumas coisas aconteceram, mas ainda não aprendi a aceitar a vida como se esta fosse um manto de retalhos, sem um sentido profundo. Por outras palavras, somos empurrados pelas coisas, mas não as marcamos originalmente. Sabemos o que queremos, mas somos levados como náufragos.
        Pergunto: de que me queixo? Do peso do quotidiano? Não. Não é o quotidiano em si, é outra coisa. Outras coisas. Algumas muito básicas, tais como a falta de dinheiro, uma arrelia familiar, uma momentânea falta de saúde. Depois, a dificuldade das relações humanas. Mas também algo mais fundo, mais metafísico, mais espiritual. Às vezes, penso que estou quase a conseguir, mas logo me devasta a sensação de perda. Às vezes quase a plenitude, outras, o vazio.
Talvez não seja razoável projetar no amor sonhos, desejos, ideais de uma outra ordem, mais metafísica ou religiosa. O ser amado não tem que ser resposta à nossa insatisfação congénita. Durante muito tempo confundi as várias ordens da vida. Hoje sei que os absolutos são feridas de infinito na alma e que é preciso saber viver com eles. Nenhum amor matará esta sede de infinito. No entanto, a Fátima tivera o condão de a mitigar. Porque o infinito era ela. Ou porque eu o reconhecia nela. Na sua ausência, na verdade, não há remédio para as cicatrizes abertas por esta sede de absoluto. Não sei da sua origem. Mas reconheço-a em cada lanho da alma. Há quem defenda que é o sinal do divino em nós. Outros dizem que nasceu com o corte umbilical. Eu não digo nada. Somente que a identifico nos fios que me entretecem por dentro.

 Fragmentos de um Diário - 22 de Julho de 1981

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