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Estou em casa, sozinho no quarto, triste. Vivemos, eu e os meus pais, desde há pouco, neste bairro de casas pré-fabricadas oferecidas pela Noruega aos retornados de África. A câmara municipal remeteu-nos para um terreno distante da vila de Tondela, possivelmente receando algum tipo de contágio. Estamos equidistantes da vila e da aldeia de Nandufe, isolados, quase ignorados.
Que ideia tão ingrata fecharmo-nos em casa no último dia do ano. E pensar que já defendi o isolamento como filosofia de vida. Já pensei que o homem fosse irremediavelmente só. Que tudo seria uma ilusão: conchas vazias que iam de mão em mão. Adeus com tal filosofia! Hoje, confesso, estou num estado depressivo lancinante, preso numa gruta de solidão.
Hoje é o último dia do ano. E aqui me escrevo, sem um amigo, sem um cigarro, sem uma bebida, sem uma mulher, comigo mesmo e uns goles de música da rádio.
Mas lembro-te, Ana, e os teus tantos desejos no coração, mas está atenta a um certo teatro que talvez sem querer já representas; tu, José, sempre à procura do infinito no finito da vida, não tropeças nas tuas próprias armadilhas; E tu, enigma das minhas emoções, imagem da alegria, do gesto doce, mas tão vaga nos desejos e nas ideias; e, também tu, minha prima, a tua aristocracia tão simples, tão dada, lembro-te na surpresa sempre renovada da tua presença; tu, Isabel, decerto és um poema de um livro perdido de Camões; Ramalho, amigo hippie, quando te conhecerei? tu que afirmas que és o que as pessoas pensam que sejas. Seabra, velho amigo sem problemas de metafísica, contigo aprendo coisas que pensava inferiores; Graça, quando me surpreendo a conversar naturalmente contigo de coisas nada intelectuais, sei que estou a caminho da alegria; Élia, caramba! Já cá andamos há mais de vinte anos, minha velha amiga; E vós, amigos ou apenas conhecidos, que me têm ajudado a passar o tempo (de certa maneira a viver) penso em todos e sobretudo em vós, meus queridos pais, peço que não vos fecheis tanto no casulo familiar, é urgente o ar livre, o convívio; também Te evoco, e reparo na ironia de seres o meu mais fiel companheiro mesmo quando não creio em Ti ou Te julgo exilado; sei que, se existes, serás uma conquista, não Te dás passivamente, antes pedes coragem, alegria, muita alegria. E tu, primeira entre todas, a única, que farás neste último dia do ano? Tu, que sem ti sou nada, onde te escondes, ó inacessível ventura da minha alma?
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