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Já perdi o hábito destas coisas

 Já perdi o hábito destas coisas
01.05.21
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Uma crónica pensa-se e escreve-se com antecedência. Não sei quando a vão ler, mas eu estou a escrevê-la hoje, domingo, dia 25 de Abril de 2021, e talvez por isso imagino como deve ter sido longa e antecipada a preparação da nossa liberdade. Em 1974 tinha 19 anos e estava no meu primeiro emprego. Acordei naquele dia com um despertador daqueles que se usava nos anos 70 e que despertavam com o rádio. Tinha-me deitado tarde, foi com alívio que ouvi a mensagem de que não devia sair de casa, desliguei e continuei a dormir. Mas fiquei com a impressão de que aquilo não era normal, que se passava qualquer coisa, religuei a máquina, ouvi melhor e espantei-me.

Voltando ao dia de hoje, estava decidido a desforrar-me da pandemia com um dia desconfinado. Em Oliveira do Hospital começou o “Montanhas d’Artes”, que junta vários artistas em exposições, performances e residências artísticas. E em Tondela, “Diário de uma Pandemia” propõe trabalhos de mais de 130 fotógrafos, fotojornalistas, videógrafos e documentaristas, distribuídos pela ACERT, pelo Museu Terras de Besteiros e na Biblioteca Municipal. Há dois anos atrás não perdia estas inaugurações, vivo sózinho na aldeia e naqueles dias encontram-se pessoas com interesses semelhantes, sempre se conversa um pouco, podem fazer-se perguntas aos artistas e tudo isto alimenta a escrita. Mas na sexta-feira, tive o lançamento de um livro no zoom, a meio da manhã, e depois fui a Tondela às compras e à lavandaria, cheguei tarde a casa e perdi as inaugurações todas. Fiquei preocupado? Não, pelo contrário, senti-me aliviado, pensei que devia estar lá muita gente mascarada, que era melhor ir ver tudo calmamente nas próximas semanas. Ao que eu cheguei!

Ainda assim, no sábado apeteceu-me voltar a tentar, e fui a Viseu ter com uma amiga, para almoçarmos fora. Tenho andado muito vegetariano, apetecia-me mesmo vitela no forno. Onde vamos e não vamos, há tanto tempo que não saíamos que já não nos lembrávamos dos restaurantes, por fim lá fomos ao ”Caçador”. Chegámos, na lista colocada à entrada confirmámos que havia vitela, entrámos confiantes. O empregado solícito veio atender-nos à porta, achámos um pouco estranho, olhámos a ver se estava muita gente pois não queríamos confusão. Não estava ninguém. Era a hora pandémica de fecho ao fim de semana. Trouxemos a vitela numa embalagem de plástico e fomos almoçar na sala da minha amiga.

Aqui na minha casa do Covelo, o desfile do 25 de Abril em Lisboa parece-me um pouco distante, mas quando se está lá sabe bem descer a Avenida da Liberdade e percebe-se como aquilo é um acontecimento importante que junta várias gerações. Este ano tem havido um esforço para destacar os desenvolvimentos naturais do 25 de Abril que ainda falta cumprir, como o racismo e outras desigualdades que permanecem. Ainda não fui ao museu do Aljube, mas já visitei várias vezes em Peniche o Museu Nacional Resistência e Liberdade, e é curioso ver inúmeras famílias com filhos jovens a explicarem-lhes o que se passou ali, e o que isso significa. Anabela Mota Ribeiro tem vindo a apresentar diariamente na RTP 3 “Os Filhos da Madrugada”, 25 entrevistas a homens e mulheres, de diferentes áreas e geografias, mas todos eles com algo em comum: nascidos e criados em tempos de liberdade. O Portugal que somos agora, passa muito por ali. Apesar de todas as imperfeições, o estatuto dos profissionais da Cultura foi finalmente aprovado e vai para consulta pública.

47 anos depois, o 25 de Abril continua. Afinal, naquele dia original, sempre me podia ter levantado um pouco mais tarde.

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