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Mário Trindade, o atleta que quebra barreiras para “fazer as coisas bem”

É um dos embaixadores de Viseu e o desporto acompanha-o desde que a vida o desafiou para sempre. Uma escoliose e, mais tarde, uma luxação na anca mudou-lhe os planos e as ambições de um rapaz de 17 anos. Aceitou o destino como aceita a dor que, confessa, o acompanha diariamente. Mário Trindade é nome maior no atletismo adaptado, mas, tal como na vida, adapta-se. E abraçou várias modalidades. Hoje ambiciona ser lembrado no ténis adaptado além-fronteiras. Recentemente começou a praticar pelota basca. Aos pais de crianças e jovens com deficiência deixa um apelo: entreguem os filhos ao desporto para que melhorem a condição física

Carlos Eduardo Esteves
 Mário Trindade, o atleta que quebra barreiras para "fazer as coisas bem"
06.10.24
fotografia: Jornal do Centro
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 Mário Trindade, o atleta que quebra barreiras para "fazer as coisas bem"
30.12.24
Fotografia: Jornal do Centro
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 Mário Trindade, o atleta que quebra barreiras para "fazer as coisas bem"

Como que os atos de beber e comer, ou dormir, o desporto está na vida de Mário Trindade como algo que faz de forma inata. Mais do que inata, confessa, vital. Precisa do desporto para continuar a viver. “O difícil para mim é estar parado. Eu não gosto de férias. Fui de férias uns dias e ninguém imagina as dores que tinha no corpo todo. Até ao médico fui a achar que tinha ossos partidos. O meu corpo não consegue estar parado. E enquanto conseguir, hei-de continuar a treinar e competir. Foi isso que fiz durante praticamente a vida toda. Sinto que, com 49 anos, ainda tenho muito para dar”, começa por contar aquele que o município de Viseu nomeou embaixador da cidade e do concelho.

Não nasceu em Viseu, mas Viseu acolheu-o há muitos anos. Foi em Vila Real que nasceu em maio de 1975. Quase a celebrar meio século de vida, o atleta paralímpico olha o futuro com a mesma ambição com que começou a enfrentar as maiores provas internacionais da carreira. Como momentos altos que desportivamente viveu, Mário Trindade elege a conquista da medalha de ouro nos europeus de atletismo adaptado e a ida aos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. Tem ainda uma medalha de bronze, em 2021, nos europeus de atletismo.

Mário Trindade não esconde que a dor faz parte do dia a dia. “Está sempre comigo. Até quando durmo. Tenho escoliose, lordose, as ancas estão gastas. A dor faz parte de mim. Tenho dores 24 horas. Mas aprendi a viver com elas”, diz, num discurso pausado, mas convicto de que tinha de o afirmar. “A minha sorte foi nunca usar a desculpa de por me doerem as costas não treinar. Se eu quisesse usar essa desculpa, tinha todos os dias para a utilizar, mas nunca deixei que as dores tomassem conta de mim”, enaltece. As maiores provações começaram aos 17 anos quando lhe foi detetada uma escoliose. Foi operado, deixou de andar, conseguiu voltar a caminhar e, anos depois, descobriu uma luxação na anca. A partir daqui foi e é com a ajuda de uma cadeira de rodas que se desloca. 

Atleta paralímpico quer cada vez mais pessoas com deficiência a praticar desporto

Hoje, com 49 anos, assume que o corpo tem dado sinais de debilidade. “Tenho uma luxação nas ancas.  Não me proibiram de fazer atletismo, mas disseram-me que se não quisesse partir o fémur era melhor parar”, diz. Por isso, para não parar, investiu noutras modalidades. Primeiro foi o ténis adaptado, agora a pelota basca adaptada. O desporto que abraçou mais recentemente surgiu depois do convite feito pela delegação de Viseu da Associação Portuguesa de Pelota Basca. “Queriam alargar o desporto a nível internacional e captar mais atletas para a modalidade. E aceitei com agrado. Em 2026 haverá um campeonato do mundo de pelota basca. Fomos convidados para a Liga das Nações, que decorreu em Paris para tentarmos chegar a mais gente”, explica Mário Trindade.

É por perceber as vantagens que a prática de desporto tem na vida de quem vive com uma deficiência que Mário Trindade tem sido, nos últimos anos, um divulgador de várias provas. Como um incentivador. “Gosto muito da competição, mas também quero chamar mais pessoas à prática desportiva. Todos sabemos que o desporto faz bem, mas no caso das pessoas com deficiência o bem que faz é enorme. E as pessoas com deficiência que praticarem desporto, vão estar mais preparadas para o dia a dia. Vão ficar mais autónomas e ter mais autoestima”, justifica.

Mário Trindade não esconde que, apesar de o desporto lhe ter aberto portas e oportunidades, “todos os que estão limitados fisicamente, numa cadeira de rodas e não só, vivem momentos muito difíceis”. Ainda assim, frisa, “o desporto dá-nos ferramentas para ultrapassarmos as dificuldades”. “Eu antes de praticar desporto demorava entre quatro e cinco minutos para entrar no carro. Hoje faço-o em 28 segundos. Se não fosse o desporto eu teria cada vez mais dificuldades. Por saber o quanto o desporto faz bem é que não me canso de chamar cada vez mais pessoas ao desporto adaptado. Um dia mais tarde os atletas vão aperceber-se da diferença que faz”, esclarece.

Objetivo agora é ser lembrado para sempre no ténis adaptado internacional

O atleta paralímpico lembra bem as palavras da mãe quando decidiu enveredar pelo desporto. “O que acontece é que alguns pais, em instinto protetor e também por desconhecimento, acham que os filhos ao praticar desporto vão ficar ainda mais limitados do que aquilo que estão. E não é isso. Eu passei por isso. Quando entrei no desporto, a minha mãe também me dizia que eu ia ficar pior do que estava e magoar-me. E não foi nada disso. Caso não tivesse ido para o desporto, não sei o que seria de mim. Há muitos pais que continuam a pensar assim. E tento dizer-lhe que, se gostam dos filhos, os coloquem a fazer desporto adaptado. Vão ver evolução a todos os níveis”, sublinha Mário Trindade.

Evoluir. Verbo conjugado praticamente a cada frase desta conversa. O atleta paralímpico quer também agora evoluir no ténis adaptado. Depois do atletismo, basquetebol, andebol e pelota basca, o ténis surge no lote das modalidades que já praticou. “No ténis em cadeira de rodas, Portugal nunca teve um atleta de alta competição e eu quero lá chegar. A mais alta classificação de Portugal, em Classe Open, foi 73º melhor do mundo. Quero ultrapassar esse número. Já o consegui na minha classe. Sou agora o 58º melhor do mundo, mas quero mais. Este é o meu primeiro ano enquanto atleta internacional. O próximo objetivo é chegar à seleção e continuar a participar em torneios em Portugal e avançar para competições internacionais, mas isso depende de apoios. É extremamente caro. Um passo de cada vez”, vinca.

Pelota basca, uma modalidade a que Portugal ainda se está a habituar

Depois de vários anos em vários palcos nacionais e internacionais, Mário Trindade considera que “a vida de um atleta de alta competição é feita de falhanços diários”. “Eu para fazer 100 metros, treinava centenas de milhares de vezes num ano. E eram raros os dias em que fazia a prova ao nível que queria. Todos os dias eu falhava, mas todos os dias eu estava a treinar. Consegui chegar próximo da perfeição em 2018, mas não se consegue sempre”, reconhece.  Mário Trindade diz que sempre aceitou “bem os resultados” porque tem consciência de que fez tudo para que os resultados pudessem ser os melhores. “Estou plenamente descansado. Abdiquei de muita coisa, saídas à noite, estar com os amigos. Se tivesse tido outras condições que não consegui reunir, acredito que teria feito melhor. No entanto, com as condições que tive, estou plenamente tranquilo com o que consegui”, deixa a garantia.

Por agora, Mário Trindade divide-se entre o ténis adaptado e a pelota basca adaptada. Modalidades que dão sentido à semana desportiva e que lhe ocupam boa parte do tempo. A dar os primeiros toques em Portugal, a pelota basca adaptada, ainda não tem campos para ser praticada no nosso país.  “Se quisermos levar isto mais a sério temos de treinar ou em Cidade Rodrigo, em Espanha ou em França. Caso queiramos representar Portugal no campeonato do mundo de pelota basca adaptada vamos ter de fazer o esforço de uma vez por semana, ou de quinze em quinze dias, treinar no estrangeiro. Daqui à Cidade Rodrigo ainda são três horas de carro”, lamenta Mário Trindade.

O objetivo deste desporto é atirar a bola, que aqui se chama pelota,  com uma raquete em direção a uma parede. A regra é que no máximo o esférico só pode bater duas vezes no chão até ser, de novo, impelido até à parede. “Pouca gente conhecia a modalidade. Só estamos a praticar há dois ou três meses. É um desporto que é difícil e eu tenho tendência de gostar de coisas difíceis. A pelota basca exige mobilidade, coordenação, temos de coordenar bola, raquete e cadeira de rodas e tirar a bola do alcance do adversário. Tudo isto muito rápido. O ténis é rápido, mas a pelota basca é ainda mais”, sublinha um atleta, que, revela que o que mais o apaixona no desporto “é fazer as coisas bem”.

 Mário Trindade, o atleta que quebra barreiras para "fazer as coisas bem"

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