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Morreu Jorge Fraga, o encenador, o dramaturgo, muitas vezes o ator, e o professor em Viseu. Partiu esta noite o homem que viveu para o Teatro.
Responsável pela formação de várias companhias teatrais, trabalhou sempre com a comunidade e criou o ensino artístico em Viseu.
O vazio que deixa na cena cultural nacional é destacado pelos amigos e profissionais da área que assumem a “perda” e a “surpresa” da partida.
A direção do Instituto Politécnico de Viseu deixou um eterno muito obrigado a Jorge Fraga e as condolências aos amigos e familiares. Numa publicação na página oficial do instituto, é assinalado que Jorge Fraga é um nome que para sempre ficará ligado ao IPV. “A sua atividade docente na área teatral permitiu que o ensino artístico fizesse parte, desde cedo, de uma alternativa para alunos de cursos superiores. Mas não se julgue que Jorge Fraga estacionou o seu frenesi permanente pelo teatro quando deixou de fazer parte de “grupos formais”. Sempre a saltitar por muitas cidades e projetos, junta pessoas para dar formação e deixa cordões umbili-teatrais que, muitas vezes, criam núcleos com quem cria espetáculos. Por Viseu, foi um permanente bicho-carpinteiro, irrequieto e irreverente”, lê-se.
Jorge Fraga foi fundador e diretor do Teatro da Academia do IPV.
Foi um mestre para muitos. É assim que o ator Guilherme Gomes fala de Jorge Fraga. “O Fraga chegou à cidade antes de eu nascer. Trocou Lisboa por Viseu, jovem, cheio força, vontade e ideias. Nesse processo, co-fundou A Centelha, um grupo de teatro que iniciou o percurso de profissionalização nas artes performativas, particularmente no teatro, em Viseu. Quando todos se foram embora, o Fraga ficou – e resistiu nesse trabalho. Se hoje temos gerações de criadoras e criadores de teatro profissional em Viseu, devemo-lo numa parte importante ao trabalho e vida do Fraga. Deu aulas na Escola Superior de Educação de Viseu. Encenou em muitos teatros do país. Foi um mestre para muita gente. Adolescente, aprendi com ele sobre escrita para teatro numa sala da ESEV que parecia o laboratório ideal para a criação de teatro. Mais tarde, fomos colegas em espectáculos, no Creta e no júri do Festival de Teatro de Viseu. Deixámos por gravar a conversa que prometemos repetir sobre a passagem do tempo. Sobre a importância de a cultivarmos. Sobre a sua cumplicidade no aparecimento das ideias. Não esperava a notícia do seu desaparecimento. Deixou-nos uma pessoa que viveu uma vida impactante. Uma centelha que acendeu o presente.
Jorge Fraga chegou a Viseu em 1976, num momento crucial para o desenvolvimento cultural da cidade. Foi um dos fundadores do grupo de teatro “A Centelha”, juntamente com São José Lapa, Alberto Lopes e António Cruz. Este grupo, que tinha as suas origens na Escola de Teatro do Conservatório Nacional, foi um dos primeiros a integrar o movimento de descentralização cultural que se verificava em Portugal naquela época.
Em Viseu, ele e os seus companheiros de “A Centelha” enfrentaram um ambiente marcado pelo conservadorismo. As suas produções teatrais, inovadoras e desafiadoras para a época, valeram-lhes rótulos de “fármacos políticos” indesejáveis por parte dos setores mais conservadores da sociedade local. Contudo, este grupo tornou-se o primeiro grupo de teatro profissional do distrito de Viseu, destacando-se pela ousadia das suas propostas e pela forma como quebraram os modelos tradicionais.
Em 1979, Jorge Fraga tornou-se um “militante afetivo” das atividades da ACERT (Associação Cultural e Recreativa de Tondela), e aprofundou o seu compromisso com a cultura local e regional. Três anos depois, em 1982, fundou a Companhia de Teatro de Viseu, reativando a cena teatral profissional da cidade. A sua primeira produção foi “A Farsa do Mestre Pathelin”, a que se seguiram outras criações em que desempenhou os papéis de encenador e intérprete.
Para além do seu trabalho no teatro, Jorge Fraga teve uma longa e importante carreira como docente na Escola Superior de Educação de Viseu, onde ensinou teatro e drama durante quase 40 anos. Através da sua atividade docente, contribuiu para a integração do ensino artístico como uma alternativa válida para alunos do ensino superior. Para além disso foi o fundador e diretor do Teatro da Academia do Instituto Politécnico de Viseu, criado em 1992.
A sua ligação ao teatro e à educação foi marcada por uma dedicação constante, refletida tanto no seu trabalho em palco como na sala de aula.
Numa reação à morte de Jorge Fraga, o diretor artístico da Ritual de Domingo, Cristóvão Cunha, recorda o encenador e ator como um dos “mais influentes agentes culturais em Viseu nos últimos 40 anos”. “É indiscutível. Não há como não reparar. A influência do Fraga nas pessoas foi enorme. Conseguiu imprimir não apenas o gosto pelo teatro, mas pela cultura num todo, como uma forma de estar na vida. Ele estava sempre a dizer que o teatro é a arte do coletivo”, frisa.
Cristóvão Cunha lembra que depois do 25 de abril Fraga veio para Viseu trabalhar em teatro. “Para além de ter fundado o Teatro da Academia, em Viseu, envolveu-se em vários projetos de teatro amador. O que interessava era o amor ao teatro. Ele nunca conseguiu fazer todo o teatro que queria”, reforça.
O diretor artístico da Ritual de Domingo frisa que há em Jorge Fraga um lado educativo que poucos conhecem. “Ele teve um trabalho imenso na identificação de grupos de teatro amador. Levou-os à Expo98. Foi um feito enorme que ficou por lembrar. Percorreu o país de norte a sul do país”, acrescenta. “Nos primeiros tempos, lembro-me que, mesmo não havendo muito dinheiro, ele fazia tudo acontecer, sob o desígnio do coletivo no Teatro da Academia. Conseguia fazer teatro sem meios”, destaca.
De Fraga promete lembrar alguém “que nunca deixou ninguém para trás”. Cristóvão Cunha frisa que nas lembranças vão ficar os brindes em que se pedia “saúde e susexo”. “Vou lembrar-lhe esta alegria e a ideia de que temos sempre de andar para a frente. Não podemos parar por causa de quezílias que se põem no caminho. Vou recordar a vontade de estar sempre positivo, pronto a avançar”, sublinha.
O grupo Off, um grupo de teatro de Viseu, lamentou a morte de Jorge Fraga. Escreve o coletivo que “o grupo Off está de luto”. “A partida do nosso querido mestre e amigo Jorge Fraga deixou-nos muito tristes. Devemos-lhe tanto do que somos, do que fazemos. Ele está em cada um de nós e assim continuará. Obrigada pelo teu apoio constante. Obrigada pela tua gargalhada contagiante. Obrigada pela tua amizade. Obrigada por tudo. Obrigada por acreditares em nós.”, pode ler-se numa publicação feita nas redes sociais.
As homenagens e as palavras de dor têm-se sucedido. Também a encenadora Florbela Sá Cunha já reagiu à partida de Jorge Fraga. Escreve a artista que Fraga vai ser sempre “o meu querido mestre”. “Não tenho palavras para expressar a minha tristeza, não tenho palavras para te agradecer o tanto que fizeste por mim e por cada um de nós, no grupo Off. Contigo aprendi a não ter medo de me aventurar nos palcos, contigo aprendi a enfrentar com mais confiança o público e a ter coragem”, começa por escrever.
Florbela recorda de Fraga “um sorriso no rosto que me dizia que estava a ir pelo caminho certo”. “Nem precisavas falar, o teu olhar amigo dava-me força. Com quem vou falar agora quando tiver dúvidas, quando precisar de ajuda com a encenação? Eras a centelha do teatro, o nosso mestre. Aquele a quem respeitávamos e tanto admirávamos”, lamenta.
A mentora do Grupo Off sublinha que Fraga era “a verdadeira centelha que nunca deixará de brilhar no meu coração”. Florbela Sá Cunha recorda as palavras de Jorge Fraga quando se referia ao teatro amador como um teatro feito por “quem ama o teatro, se dedica de alma e coração ao teatro”. “Talvez por isso sempre apoiaste o grupo Off, sempre pronto a ajudar, a aplaudir, a dar-nos alento, a fazer-nos sentir iguais. Continuarás em cada um de nós, e serás homenageado cada vez que pisarmos o palco. Nunca te disse o orgulho que sinto quando me dizem ” aprendeu com o mestre”. É mesmo verdade, o que sei na arte do teatro aprendi contigo, e tinha ainda tanto a aprender. Mas o mais importante, aprendi contigo a ser ainda mais otimista , ” vai correr tudo bem”, frisa Florbela Sá Cunha. A mensagem termina com um “bem-haja por tanto, bem-haja pela tua amizade”.
No programa ‘Espelho Meu’, produzido pelo Jornal do Centro, Jorge Fraga assumiu que enquanto jovem não pensava seguir teatro. “Queria ser astronauta. Toda a gente queria”, diz. Na entrevista, falou da mãe, a “mulher independente” e da infância e juventude livres, dentro de um Portugal que ainda não tinha vivido o 25 de abril. “Gosto da pouca exposição mediática e gosto que o teatro e o meu trabalho falem por mim”, disse. O encenador lembrou 1973 como um ano decisivo para abraçar o teatro. “O Joaquim Castro Caldas ia fazer as provas para o Conservatório Nacional e na altura eu andava baralhado: se havia de fugir para o estrangeiro, ou se deveria ficar”, começou por dizer. “O Joaquim precisava de alguém para lhe dizer as deixas. E inscrevi-me também. Foi fantástico e fiquei”, contou, assumindo Osório Mateus como uma referência no meio teatral.
“Ser pai é a coisa mais extraordinária do mundo. Nunca tive o sonho de ser pai, mas as coisas boas da nossa vida são as que nos acontecem sem querermos ou planearmos”, afirmou também, acrescentando ter passado aos filhos valores como “verdade, justiça e liberdade”. Numa entrevista em que revelou aspetos do passado, Fraga lembrou 2013 como um ano decisivo. Um problema de saúde que o obrigou, como disse, a “dar mais importância ao hoje do que o amanhã”. “Fui buscar forças aos meus valores. Não tenho medo da morte. Digo sempre que o medo é oposto do amor. Eu amo a vida. Não tenho medo”, confessou.
“Quero deixar a imagem de uma vida inteira. Espero que esteja com um sorriso nos lábios. Eu sou um otimista. Acho que isto é tudo uma desgraça. Vivemos momentos horríveis, mas ao mesmo tempo, isto é o melhor dos mundos. Apesar de tudo estamos vivos, podemos fazer algo por nós e pelos outros. Não devemos desistir. Quero deixar o que me deixaram a mim: um legado, princípios, vontade de não desistir das coisas, celebrar a vida, de nos ajudarmos uns aos outros. Ser justos. E livres. Sempre livres”, concluiu.
“Não me tornei actor por causa do Fraga, mas muito do actor que sou hoje será certamente graças a ele. E uma coisa é certa, com dias melhores do que outros, como em todos os processos de trabalho, era sempre divertido trabalhar com o Fraga, com muita liberdade, criatividade e um respeito enorme pelo público”
O Partido Socialista de Viseu também prestou homenagem ao artista: “É com profundo pesar que recebemos a notícia do falecimento de Jorge Fraga, um dos mais brilhantes encenadores e dramaturgos do nosso tempo e que tanto contributo deu a Viseu.
Estamos a falar de um homem que dedicou a sua vida ao teatro, tocando todos aqueles que tiveram o privilégio de com ele trabalhar.
Deixa um legado inestimável nas artes cénicas, quer enquanto encenador, quer como dramaturgo e ator. Deixa ainda o mérito de ter conquistado o ensino artístico para o ensino superior. Por tudo isto, Jorge Fraga foi mais do que um artista. Foi um mentor e uma inspiração para todos que o conheceram.
Temos a certeza de que o seu compromisso com a arte e a sua paixão pelo teatro são exemplos para gerações vindouras.
Neste momento de dor, expressamos nossas mais sinceras condolências à família, aos amigos e a todos que, assim como nós, sentirão a sua ausência”, pode-se ler na nota de pesar da vereação do partido.
A Associação Cultural e Recreativa de Tondela (ACERT) também presta a sua homenagem ao “militante afetivo” com o texto “A sua atividade docente na área teatral permitiu que o ensino artístico fizesse parte, desde cedo, de uma alternativa para alunos de cursos superiores. Mas não se julgue que Jorge Fraga estacionou o seu frenesi permanente pelo teatro quando deixou de fazer parte de ‘grupos formais’. Sempre a saltitar por muitas cidades e projetos, junta pessoas para dar formação e deixa cordões umbili-teatrais que, muitas vezes, criam núcleos com quem cria espetáculos”.
“Por Viseu, tem sido um permanente bicho-carpinteiro, irrequieto e irreverente”, acrescentou a companhia.
O Teatro Viriato despediu-se do artista na rede social Instagram, onde frisa que “É inegável o poder criativo e artístico transformador com que o encenador Fraga chegou a Viseu, quando o panorama cultural da cidade era ainda bastante desfavorável e insípido”.
No “deserto cultural que se vivia, Fraga ´acendeu´ a Centelha, na altura a sua companhia artística, e fez acontecer, impulsionou outros a fazerem acontecer e esteve sempre ao lado de todos os que quiseram tornar este mundo mais belo através do Teatro. Por isso tantos o reconhecem como: O Mestre”, acrescenta aquele teatro de Viseu onde o encenador também apresentou trabalhos.
“A história do Teatro Viriato seria bem diferente se não tivesse estado presente desde sempre, com esse seu poder transformador”, acrescenta o teatro, sublinhando que “neste momento de despedida, em que as palavras são sempre escassas, fica o agradecimento comovido de toda a equipa do Teatro Viriato ao Mestre e ao Amigo”.
Também a ministra da Cultura, Dalila Rodrigues, lamentou a morte de Jorge Fraga, onde lembrou a “ação pioneira” do encenador em projetos de descentralização territorial, como a criação de A Centelha.
“Versátil, exigente e irreverente, trabalhou, ao longo dos anos, a relação entre o ensino artístico, enquanto docente da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viseu, e as diversas comunidades, com especial destaque para a Academia”, escreveu a governante, lamentando a morte do encenador e expressando condolências aos seus familiares, amigos e admiradores.
O município de Viseu também se pronunciou nas redes sociais: “O encenador, ator, dramaturgo, professor do Instituto Politécnico de Viseu (IPV), fundador e diretor do Teatro da Academia do IPV e da Companhia de Teatro de Viseu, não nasceu em Viseu, mas escolheu a Cidade-Jardim para viver desde 1976, tornando-se uma figura preponderante na cultura viseense, líder e exemplo em diversas iniciativas culturais e artísticas no concelho de Viseu”.
“Pelo seu contributo para a Cultura e Educação, nesta hora difícil de pesar, o Município de Viseu reconhece publicamente o profissional e ser humano, manifestando as condolências e solidariedade a toda a família e amigos”, acrescentou a Câmara Municipal de Viseu.
O Partido Comunista Português reagiu à morte de Jorge Fraga, lembrando que o encenador percorreu um caminho de quase 50 anos em Viseu. “Deixa uma marca incontornável nas artes e na cultura viseenses”, escrevem os comunistas. O PCP acrescenta que Fraga “foi sempre um elemento de galvanização de muitos grupos de Teatro Amador em Viseu, tarefa que fazia com elevado empenho e mestria”.
Há mais uma reação política ao desaparecimento de Jorge Fraga. A Distrital e Concelhia do Bloco de Esquerda de Viseu defendem que Fraga “transformou de forma irreversível o panorama cultural de Viseu e da região envolvente”. “A sua irreverência na forma como enfrentou o conservadorismo viseense no seu trabalho teatral são exemplo da sua criatividade e do seu brilhantismo”, escrevem os bloquistas. De Fraga recordam “um amigo de muitas de nós”, que “partilhava muitas causas e valores”. “Por toda a ousadia e profunda dedicação ao ensino e à comunidade, por tudo aquilo que fez e que foi, o nosso mais profundo agradecimento a ti, Fraga”, pode ler-se no comunicado.