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Joaquim Alexandre Rodrigues
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Jorge Marques
Está há vários anos no futebol. É hoje diretor técnico do Centro de Formação e Treino do Benfica. Um trajeto que deu os primeiros passos em Viseu…
Comecei no Dínamo Clube Estação. Tive uma passagem muito breve pelo Viseu e Benfica, estive no Campia e cheguei ao Académico de Viseu. Tive no Académico a função de coordenador dos escalões de base e fui treinador adjunto no escalão de juniores. O trabalho que fiz no Académico, que era o clube de referência da cidade, permitiu-me chegar, em 2005, ao Benfica, um dos meus objetivos de vida. Estou no Benfica há 20 anos. Pessoalmente, noto várias realizações pessoais, à medida que a carreira foi avançando. Quando cheguei ao Benfica, o clube não tinha o Benfica Campus e as infraestruturas eram precárias. Naquela altura, o Académico de Viseu tinha melhores condições do que o Benfica para trabalhar os escalões de base.
E isso impressionou-o?
Eu tinha tido algumas reuniões e já sabia a realidade que ia encontrar. E defini como objetivo que fossem formados jogadores para fazerem parte da equipa principal do Benfica e consegui. Esses jogadores ajudaram a equipa a ganhar títulos. Também defini como metas colocar jogadores do Benfica na seleção nacional, ajudar a seleção a ganhar títulos e conquistarem títulos em clubes internacionais. Tudo isso foi conseguido. Tenho ainda como ambição ter um número de jogadores suficientes formados no clube a jogarem na equipa principal do Benfica e tentar ganhar uma Liga dos Campeões com jogadores da casa. Parece utópico, mas se o Benfica conseguisse reter alguns jogadores no clube, formaríamos equipas fantásticas que teriam capacidade para lutar pela Liga dos Campeões. E quero ainda poder dizer que trabalhei com um Bola de Ouro. E espero também gozar uma reforma feliz no norte do país.
Quando começou, via o futebol tal como o vê hoje?
Não, honestamente, não. Na altura, o Campia começou com as camadas jovens, não tínhamos muito sucesso desportivo. Queríamos reativar o futebol de formação no clube. Havia muita experimentação da nossa parte. A nossa missão no clube era ser mais do que treinadores. Eu e o Tiago Barata inscrevíamos os jogadores, fazíamos sandes para eles, transportávamo-los para o treino e éramos treinadores. O que aprendi nesse momento, ajudou-me muito no que sou hoje. Quando fui para o Académico, tínhamos os melhores jogadores, toda a gente queria jogar no Académico. Isso dava-nos outro patamar de responsabilidade.
E outros objetivos…
Já conseguimos competir para ganhar e dar jogadores à equipa principal do clube. Foi uma experiência diferente, numa altura em que o clube começou a entrar em crise, nalguma decadência. Houve pessoas que, com um amor e paixão ao clube incríveis, permitiram que não nos faltasse nada. Foram tempos muito difíceis. A existência do Académico estava ameaçada e o fim do clube acabou por acontecer já estava eu no Benfica. Foi muito doloroso ver isso à distância. O Académico deu-me anos de aprendizagem incríveis, tanto no treino, como na coordenação e estruturação de um departamento de futebol. Chego ao Benfica e depois nasce o Benfica Campus, com a conquista de títulos e a chegada de jogadores à equipa principal do Benfica e a atuarem em várias partes do mundo.
Qual é a maior responsabilidade que tem um treinador de futebol em relação a um atleta?
Nos mais jovens, o treinador nem é tanto um treinador, é um formador. A principal responsabilidade aí é desenvolver, mais do que um jogador de futebol, uma dimensão humana, de homens com princípios e valores. Antes de haver um jogador, há um ser humano que tem de estar preparado para integrar ativamente a sociedade. Trabalhar um jogador com 19 anos é diferente de lidar com um jovem adolescente ou com uma criança.
Na formação ainda se olha muito para o resultado?
Julgo que quando há competição está intrínseco ganhar. As crianças quando jogam às escondidas e à apanhada, querem vencer. No futebol atual, em muitos casos, o foco está no resultado imediato em vez de um processo a longo prazo. Muitas vezes prefere-se ganhar hoje, já, do que formar para ganhar mais vezes, de forma consistente, amanhã. Hoje o treinador vem do meio académico, faz os cursos de treinador e em muitos casos quer seguir com o treino para o futebol sénior. E depois há a tendência de replicar as estratégias do futebol sénior, um Guardiola ou um Mourinho, nas crianças e nos jovens adolescentes.
Já defendeu em entrevistas que, nos escalões abaixo dos 17 anos de idade, não deveria haver campeões. Continua a pensar assim?
Cada vez mais. Imagine que alguém tem um filho com 10 ou 11 anos de idade e mora a uma hora de Lisboa. Investe uma hora para levar o filho para a concentração. Depois, mais uma hora para equipar e aquecer. Num jogo de 60 minutos, se ele jogar meia hora, ele tem meia hora de atividade. Acaba o jogo, há briefing sobre o jogo, tomam banho e voltam a casa. Temos aqui quatro ou cinco horas para o filho ter meia hora de atividade desportiva. No Benfica substituímos isso por uma liga interna onde neste espaço de tempo, o atleta faz três jogos. Ou combinamos com uma outra equipa para fazermos um particular e logo depois temos aula de futsal e depois de dança. Ou um particular, jogamos na areia e uma atividade de dança. Para além do ecletismo que, nesta idade, é fundamental para o desenvolvimento do jogador – porque os miúdos deixaram de brincar na rua -, conseguimos manter o caráter competitivo e aumentar o volume de prática desportiva no mesmo período de tempo. Não havendo a classificação formal, os miúdos jogam de outra forma, acabam por ter outro tipo de preocupação, sem a pressão do resultado.
É uma espécie de libertação?
Percebemos que os miúdos hoje em dia estão com uma super agenda, desde os seis, sete anos. E cada vez mais assistimos a casos de burnout nos mais pequenos. Deixam de ter prazer em jogar futebol. E também há casos de cansaço mental nos jogadores seniores. Falta cada vez mais dar o lado lúdico e recreativo ao desporto. O jogar o jogo pelo jogo. Falta jogar mais o jogo informal. Nós temos essa experiência. No outro dia fizemos uma atividade com aquele jogo do volta atrás, em que o guarda-redes envia a bola e quem a tiver tem de driblar os restantes jogadores para marcar golo. Os miúdos não conseguiram jogar. Eles organizam-se de forma a jogar o jogo formal, como o conhecem. E isso é um problema, porque primeiro eles são crianças ou jovens.
E nem sempre nos lembramos…
Há casos de crianças com 10 ou 11 anos que já têm um mental coach, que fazem treino individual, treinam no ginásio para além dos treinos no clube. E há os agentes, marcas desportivas a querem associar-se. Eles ainda não têm idade para perceber esse tipo de fenómeno mediático. Lidam cada vez menos com o insucesso. Vemos volta e meia que a equipa perde, mas destaca-se um lance do jogo em que a criança esteve bem e publica-se no tik-tok. Há que ter cuidado com o tipo de ser humano que estamos a formar para o futuro.
Há no futebol de formação outro fator chamado pais. As expetativas que criam. Havia que falar abertamente com os encarregados de educação a cada início de época desportiva?
Há uma ligação a três que tem de funcionar: jogador – clube – encarregados de educação. Os pais têm de fazer parte do processo e de perceber a metodologia do clube. Há cada vez mais clubes a preocuparem-se com a comunicação em relação aos encarregados de educação.
Identificar os jogadores diferenciados, no que ao talento diz respeito, é hoje mais fácil?
Não, é mais difícil. Os jogadores estão estereotipados com processos formativos muito parecidos. Os miúdos têm pouca atividade exploratória, com as agendas cada vez mais preenchidas e menor autonomia. Por isso, há cada vez mais jogadores parecidos, e menos jogadores diferenciados.
Mas isso tem solução?
É possível atenuar, influenciando as instituições, mostrando-lhes outra forma de pensar. Agora, infelizmente, a sociedade de hoje valoriza o resultado, o imediato.
De que é que tem mais saudades quando pensa em Vouzela?
Tenho saudades da minha mãe, da minha família e dos meus amigos. Quando aí chego, percebo que o mundo avançou. Sinto saudades da cor, das montanhas, do cheiro a lenha, do cheiro do Natal. Quando estou aí acabo por passar na Escola Secundária de Vouzela de carro só para rever alguns momentos que lá passei. Vou algumas vezes ao Fontelo e o cheiro do Fontelo também me faz sentir algo que não consigo explicar.
O Fontelo voltará a cheirar a Primeira Liga?
É uma questão de tempo até o conseguir. Não consigo apenas olhar para o Académico de Viseu. O Tondela lidera a Segunda Liga de futebol e a região das Beiras ter um clube na Primeira Liga seria extremamente interessante. O Académico é uma paixão antiga e nutri sempre carinho pelo clube. O Académico está a crescer, nota-se isso. Com planeamento, organização e capacidade de executarem o projeto, há fortes possibilidades de, num curto espaço de tempo, o Académico voltar a estar na Primeira Liga.