Autor

Joaquim Alexandre Rodrigues

02 de 03 de 2024, 09:48

Colunistas

Drenagens atípicas e chouriços televisivos

Artigo publicado na edição impressa do Jornal do Centro de 1 março

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1. Até 1891, comércio de escravos no Brasil; no virar do século XIX para o século XX, fornecimentos à guerra dos Bóeres; nos anos de 1930, comida e armas para os franquistas durante a guerra civil espanhola; na década seguinte, volfrâmio para a Alemanha nazi; durante os anos de 1960 e 70, negócios pinguentos com os estados racistas e párias da Rodésia e da África do Sul.
Esta lista de negócios das elites portuguesas, em “situações de marginalidade internacional”, é encontrável em “Não há mapa cor-de-rosa, a história (mal)dita da integração europeia”, um livro do saudoso José Medeiros Ferreira, o ministro dos negócios estrangeiros que tratou da nossa adesão à CEE. Aquele bem-humorado açoriano cunhou uma designação genial para estas actividades duvidosas da nossa casta: “drenagem atípica de rendas exógenas”.
Ora, muita água tem corrido debaixo das pontes, até já mudámos para o século XXI, mas quem manda no país — a saber: a grande advocacia dos negócios, a banca, a aristocracia política lisboeta — não perdeu o jeito e continua a fazer, com competência, esta “drenagem atípica de rendas exógenas”: ele é os vistos gold para oligarcas de todas as latitudes; ele é a importação de mão-de-obra migrante às máfias; ele é, acima de tudo, a captura sistemática dos dinheiros da “Europa”. Esta “drenagem” está a levar Portugal para o último lugar dos rankings europeus.

2. Cada voto vale, por ano, 1/135 do valor do Indexante dos Apoios Sociais (€509,26 em 2024).
Isto é, o nosso voto nas legislativas serve para duas coisas:
(i) para eleger, ou não, um deputado;
(ii) para, em cada ano, dar €3,77 ao partido em que pusermos a cruzinha, desde que ele tenha pelo menos 50.000 votos.
A primeira destas utilidades é muito falada pelos políticos e pelos media. A segunda não. E devia.

3. Senhoras e senhores candidatos: a vossa conversa sobre “governabilidade” não aquenta nem arrefenta. Só serve para encher chouriços nas charcutarias televisivas.
Ó alminhas, tratem mais do futuro e menos do passado. Digam ao que vêm. Acendam esperança nas pessoas. No dia 10, o povo, que é quem mais ordena, trata da "governabilidade".