Autor

Joaquim Alexandre Rodrigues

18 de 09 de 2021, 08:00

Colunistas

Humilhação

As leis da república aplicam-se à paisagem, não se aplicam à camara de Lisboa




Já se sabe, Portugal é Lisboa e o resto é paisagem. No dia 26 de Setembro não vamos eleger 308 câmaras, vamos eleger 307 mais uma, a especial, a alfacinha.

Aquele mastodonte tem 17 mil trabalhadores (é o terceiro empregador do país, logo a seguir ao Pingo Doce e ao Continente) e tem um orçamento que ultrapassa os mil milhões de euros, é superior a nove dos dezanove ministérios do actual governo.

Para se conhecer melhor os hábitos peculiares da câmara de Medina recomendo o "Editorial do Porto Canal sobre o 'monstro' da câmara municipal de Lisboa", emitido em 22 de Junho, facilmente achável no YouTube. São 12'46'' que valem bem a pena.

Neste artigo vou ficar-me só pelas nomeações de pessoal político, assunto em que reparei pela primeira vez quando vi, com espanto, uma listagem de pagamentos do gabinete do vereador Ricardo Robles que veio a público quando aquele político caiu em desgraça. O custo daqueles dez "assessores" bloquistas ultrapassava 1,25 milhões de euros e era um tiro descarado no artigo 42º da Lei das Autarquias.

Nos termos da lei 66/2020, de 4/11, aprovada na Assembleia da República, Lisboa tem direito, no máximo, a vinte nomeados (entre assessores e secretários), mas a câmara de Fernando Medina fez uma "lei" especial para si onde cria 104 tachos. Cada lugar de assessor vale, por mês, €3750 mais IVA; cada lugar de secretário vale, por mês, €2750 mais IVA.

Desde o início deste mandato, já foram assinados 292 destes contratos de prestação de serviços por ajuste directo, a boys e girls de todos os partidos - tanto para os da situação (PS e Bloco), como para os da oposição (os outros todos, da direita à esquerda).

Some-se a esta fauna mais umas três dezenas de amesendados apensos à assembleia municipal. Como diz e muito bem o Porto Canal, aquilo é uma espécie de "Assembleia da República de Lisboa", com "gabinetes políticos" para todos os partidos.

Este caldo de cultura centralista que parasita o país (as grandes empresas facturam em todo o território, mas pagam derrama em Lisboa, onde têm sede) é visto com toda a naturalidade por esta malta com vida atapetada, que passa a vida a coçar-se nos gabinetes. Nem foi capaz de processar o e-mail da polícia que reprovava a festa sportinguista.
Estes acartadores da pasta do chefe de turno não sabem fazer mais nada, desconhecem o que custa a vida, vivem num mundo especial, só deles. É nesta rede clientelar que se formam os quadros dos partidos, os futuros deputados, os futuros governantes.

Como se constatou durante as duas horas do debate desta semana na RTP, nenhum dos doze candidatos à presidência da câmara de Lisboa denuncia, ou põe em causa, esta pouca-vergonha. Nenhum. Nem os candidatos dos micro-partidos. Todos, sem excepção, sonham um dia, também eles, poderem chuchar este maná.

Este mundo à parte, com regras à parte, esta arrogância centralista é uma humilhação para 307 câmaras deste país. É uma humilhação para a Associação Nacional dos Municípios Portugueses.

É, acima de tudo, uma humilhação para os milhares de autarcas dedicados que, por esse país fora, trabalham incansavelmente para o bem comum e o desenvolvimento das suas terras e das suas comunidades.