Autor

Jorge Marques

23 de 06 de 2024, 15:28

Colunistas

Inteligência Artificial e Inteligência Natural

A falta de regulação está a viciar todo o processo. Nisto, parece que apenas a Europa está preocupada, porque a China e EUA apenas lutam em concorrência

O Observatório de Ideias Contemporâneas Azeredo Perdigão (Fundação Calouste Gulbenkian- Câmara de Viseu- Associação Viriatos 14) realizou em 15 de Junho na Aula Magna do Instituto Politécnico de Viseu a sua segunda conferência subordinada ao tema em título. A manhã foi preenchida com a conferência de Maurizio Ferraris (Filósofo, professor da Universidade de Turim e várias universidades europeias, investigador). Autor de obras traduzidas em várias línguas, sendo que em Portugal podemos encontrar o seu livro “Mobilização Total”. Vale a pena ler, porque conta o que nos acontece sempre que recebemos uma vibração no nosso telemóvel, seja de um toque ou notificação. Para ele, o ponto de partida é a nossa necessidade de compreender, mesmo que isso não signifique transformar. A Era Digital precisa de gente esclarecida, que perceba os limites, os riscos, vantagens e não ser um simples utilizador. Toda a sua conferência, tal como o programa da tarde, orientaram-se no sentido de fazer compreender o que parece complicado, mágico, mas que afinal é simples.

Talvez que o melhor caminho para comparar a IHumana e a IArtificial seja partir do artificial para o natural. Dizer que a IA nem sequer é inteligente, mas talvez um arquivo de tudo. A nossa atitude racional deve começar por evitar estabelecer-lhe os limites e não se criar medo do novo. Porque tudo o que se diz hoje sobre a IA, já foi dito antigamente sobre a escrita, cultura, automóvel e as grandes descobertas. Sempre a mesma crítica ameaçadora ou o milagre! O único medo, talvez tenha a ver com os publicitários da IA, que para a venderem produzem verdadeiras peças de ficção. Se perigo existe e talvez exista, esse não está na máquina, mas na maquinação dos homens que a utilizam no mau sentido. Porque é que IA e IHumana não são comparáveis?
Porque a Humana é mais poderosa, porque tem um organismo, pele, cérebro e recursos de uma evolução superior! O nosso organismo, com toda a sua complexidade é uma supermáquina que ultrapassa todo e qualquer organismo criado pelo Homem (Leibniz). A máquina não tem metabolismo, o Homem tem. Na máquina alguém lhe diz para pensar, como pensar e o que pensar (on/off). O organismo humano é o único que suporta próteses e onde há curiosidade, vontade, emoção! Só ele pode ser inteligente e ao mesmo tempo estúpido! As máquinas não têm sexo!

Há um outro domínio importante e que apenas existe no Homem. É a sua Via Espiritual:
- O espírito situado (o que existe), um espírito do Mundo. A IA não tem Mundo;
- O Interagir com o Mundo (tecnologia). É um espírito ocupado, enquanto a IA é uma competência sem compreensão;
- A Epistemologia enquanto saber, compreensão é uma pequena parte do pensamento humano. A IA imita a compreensão, mas só tem a competência;
- A Teologia, o espírito encarnado existe no Homem e esse sentimento humano não existe nas máquinas.
A tarde começou com música, com três professores de acordeão do Conservatório Regional de Música de Viseu Dr. José Azevedo Perdigão. A música sempre ajuda á reflexão! Será que os méritos e deméritos da IA estão a ser mal informados? Que a IHumana está a ser desviada ou mal aproveitada? Mudanças sempre houve ao longo dos séculos, nas tecnologias, artes, culturas! Mas para isso o nosso cérebro tem plasticidade e sempre soube absorver tudo, sempre soube aceitar ou rejeitar!
Mais respostas vieram depois da música para clarificar muitas das nossas interrogações. Vieram através de três eloquentes homens da investigação, ciência, ensino e experiência de muitos anos (José Júlio Alferes, Paulo Nuno Vicente e Mário Romão). Juntaram o que sabiam, para nos espantar com “um saber de experiência feito”.
A IA não é novidade, nem uma área de conhecimento nova! Foi-nos passado um filme de 1989 com imagens do 2º Encontro da IA em Portugal. O PR de então (Mário Soares) dava as boas vindas a essa tecnologia e ás transformações futuras da sociedade. Em 1995 já se trabalhava com sistemas capazes de aprender, mas nunca os cientistas pensaram chamar-lhe Inteligência Artificial, mas “Aprender Automático”. IA acabou por vir do marketing e não da investigação e usou-se para impressionar! Falou-se do significado e da criação de algumas aplicações, das redes neuronais artificiais e dos sistemas que vão aprendendo. Em comum é que todos eles precisam de Dados e Computação.

Eis que aparece o Chatgpt como uma estrela! Dizem que sem grande ciência, mas com forte impacto mediático. Porque não apareceu antes? Porque precisava de milhões de dados! Era preciso recolher dados, exemplos classificados, textos, redes, identificar nos milhões de textos qual a probabilidade da palavra que se segue á anterior…
Quais são os desafios e riscos que nos são colocados? A desvalorização das competências humanas; a diminuição da responsabilização; perda da individualidade, da privacidade e do controlo. Também existem dúvidas? Os sistemas são caros e consomem enormes recursos; provocarão mudanças no Mundo do Trabalho; custos ambientais; necessidade de intervenção social e legislativa; mais ciência e educação; mais literacia e cultura para a IA, sobretudo em algumas áreas do conhecimento; os dados não são do domínio público, mas privado e não sabemos como vão ser utilizados. Estas dúvidas fazem sentido, porque há casos onde isto correu mal e em áreas muito sérias: Austrália - Na ligação entre dados da Segurança Social e Finanças; EUA- Na elaboração dos mapas de criminalidade; Reino Unido- Na previsão dos resultados dos exames na pandemia; O exemplo do que se passa com a música e outras artes. Na França e Alemanha foi identificado que 71% das receitas estão a ser desviadas. A falta de regulação está a viciar todo o processo. Nisto, parece que apenas a Europa está preocupada, porque a China e EUA apenas lutam em concorrência. Por isso, das 15 maiores empresas do Mundo, nenhuma é europeia!

Ficou uma ideia final de que os dados estão a afogar-nos em informação, mas não em conhecimento! Que estamos a gerar um novo tipo de homem, o Homem Panqueca, aquele que sabe tudo, mas afinal não sabe nada. Que estamos a manipular cérebros viciados. Ficou a minha reflexão da necessidade de maior literacia nos domínios da IA, da distinção entre o bom e o mau uso, do saber distinguir a IA que serve a Humanidade da que serve apenas alguns interesses e poderes. Do risco de um propósito político que deseja capturar o Mundo e quer superar todas as outras formas de conhecimento, para que no longo prazo seja a única ciência. É por isso que conferências como estas são tão necessárias e importantes, porque estimulam o pensamento critico e a reflexão sobre os grandes problemas do nosso tempo…