Autor

Ricardo Bordalo

17 de 07 de 2021, 15:24

Colunistas

Libertar os corpos dos nomes – o grande feitiço num país distante

É verdade que todos eles sabiam que estes dias estavam para acontecer… mais dia menos dia.

Neste país, ultimamente, várias pessoas conhecidas, ricas e influentes, estão a viver dias complexos às mãos de um juiz, ou dois, claramente ingratos e, como é evidente, sem sentido de Estado.

É verdade que todos eles sabiam que estes dias estavam para acontecer… mais dia menos dia.

Portanto, ao longo dos últimos anos, todos eles se foram preparando para o aperto, alguns com pouco sucesso, como o prova o facto de estarem presos.

Mas esses eram, e são, seguramente os menos abonados, os mais afectados pela ganância, os menos apetrechados de amigos do peito bem colocados no Estado e na política e os mais qualificados para irem aliviando o apetite plebeu da populaça ansiosa por sangue a escorrer nas páginas dos jornais e ecrãs das televisões.

Mas o que a justiça desconhece é que isto está tudo envolto em feitiçaria, que todos os senhores e senhoras agora com os nomes a arder nos media estão a ser protegidos por um grupo de poderosos feiticeiros que conseguem o espanto de “descolar” os corpos dos nomes.

Conseguiram mesmo lançar os nomes no lugar dos corpos aos porcos, deixando os nomes serem devorados pelas varas de suínos enquanto os corpos desfrutam dos coquetails de fim de tarde à beira da piscina.

O que os feiticeiros conseguiram foi algo que está para lá da física conhecida, da moderna à quântica, reconfigurando estes homens para que, naturalmente, e sem esforço, passem a viver em corpos sem nome, e sem imagem associada.

Ou seja: aquelas caras que outrora foram deles, são hoje espaços vazio inteiro, sem carne nem osso, sangue ou entranhas, nos ecrãs e nas capas dos jornais, tal como o são os nomes a elas associados.

Esta separação garante que o uísque de fim de almoço não fique com sabor a torresmo quando, inadvertidamente, se deparam com as suas caras e nomes nas tvs; isto, claro, quando na sua memória aveludada assoma uma réstia de cimento em forma do que já foi, em tempos idos, a sua apresentação em festas e festinhas, aqui e ali…

É por isso que, quando os senhores do Ministério Público optaram por, ao perceber que não haveria, ou há, forma de tocar naqueles corpos protegidos pela melhor feitiçaria disponível em muitas léguas em redor, castigar os nomes na praça pública, o efeito não podia ser menos conseguido.

Os corpos já não se reconhecem nos nomes e continuam as suas vidinhas tranquilas sem tessura nem rebuça.

O que é perfeito, porque, a plebe segue a par e passo o que vai sucedendo aos nomes escarrapachados nos jornais e tvs, aplaudindo e uivando de júbilo, inclusive aqueles que, ligeiramente menos distraídos, entendem que queimar os nomes na praça pública já é, por si, uma certa forma de justiça.

E mesmo que os nomes, mais tarde, saiam limpos dos tribunais porque a justiça de esqueceu dos prazos a cumprir por causa da… lei, já não haverá corpos para reclamar a graça… Não se coloca a questão.

Não imaginam sequer que aqueles nomes já não têm outro significado que não seja o que representam no circo que entretém o lúmpen enquanto os corpos, outrora a eles associados, vão da sauna à sala dos charutos, passando pela beira da piscina, onde se servem do melhor cognac, libertos da grilheta do nome, usufruindo da liberdade absoluta e sem a menor comichão nas partes mais tenras das carnes sem nome sentadas na poltrona da sala de fumo.

O circo dos nomes em carne viva, lá fora, segue… porque é assim que deve ser.