Autor

Pedro Coutinho

01 de 05 de 2021, 11:48

Colunistas

Maio Maduro

A revolução exige o passo seguinte: um Maio maduro e preparado para estes novos embates

Este ano de 2021 ficará marcado pela intensidade do seu dia 25. Pela primeira vez, de forma explícita, os cravos não foram apenas vermelhos. Muitos entenderam que foi uma espécie de heresia, no entanto, penso que há algo maior nesta situação. As posições e polémicas geradas pelas micro-direitas que se vão alinhando no nosso parlamento são um sinal dos tempos.

Em primeiro lugar, são sobretudo sinal de vitalidade democrática, na medida em que se traz à luz os discursos ocultos na sombra. Saídos para a luz, revelam definitivamente a sua real cor, deixando de ser meras conjeturas dos académicos que há anos relatam a sua existência... Esses discursos não são novos, estiveram sempre presentes, como um sedimento perigoso, escondido, esqueleto num armário que se insiste em manter fechado. Quantos portugueses insistem em afirmar que são beirões, de uma Beira Alta que o Estado Novo inventou? Quantos portugueses se afirmam democratas, mas, na verdade, acham que que há quem mande e quem deva obedecer? Quantos portugueses sempre sentiram que os bons católicos são os verdadeiros portugueses e que os outros são ameaça? Quantos portugueses sempre disseram a palavra comunista enquanto mordem a língua? Quantos portugueses contaram piadas colonialistas? Todos esses sentimentos são bilhete de identidade de um espírito salazarista pré-revolução, por muito que doa dizer.

O 25 de abril não exilou todos os que simpatizavam com o Estado Novo. É, por isso, natural que ainda haja muitos que carregam em si o fardo de décadas da inculcação ideológica desse regime. Da mesma maneira, muitos de nós ainda vivem na saudade de um tempo de reis, apesar do seu desaparecimento há 111 anos… Abril foi há apenas 47 anos e é óbvio que nem todos os portugueses estiveram na rua em 1974.

Por isso afirmo que a democracia se revela em todo o seu esplendor quando consegue dar voz explícita a todas as pessoas, sentando-as num mesmo local e ouvindo o que têm para dizer, trazendo-os finalmente para o cumprimento das regras éticas e constitucionais. Esta é uma democracia desafiada que tem de prevalecer pela força e vitalidade dos seus ideais. É um tempo perigoso, mas aparentemente inevitável.
Em segundo lugar, como dizia, a expressão pública das microdireitas, já chamadas de reacionárias, obriga-as às regras do debate democrático, constitucional e universal.

Obviamente que se tratará de um debate novo, com atores novos que exigem a reinvenção dos discursos cristalizados de um parlamento bicéfalo. Obrigará estes novos atores a revelarem as suas contradições e aberrações (privatização desenfreada dos bens públicos, castrações, penas de morte, xenofobia e segregação) delas abdicando, em função de alianças que lhes vão extirpando exageros e tiques autoritaristas. Obrigará também o centro e a esquerda a uma nova exigência ética que já não se basta pela herança da geração de Abril. Obrigará à utilização de novas ferramentas discursivas e a um rigor que tornará os descendentes de Abril mais fortes, mais atentos e menos confiantes na certeza de um futuro garantido.

Obrigará a acabar com os pseudodemocratas, parasitas que enriqueceram às custas da democracia e que abalaram a sua credibilidade, fazendo confundir a árvore com a floresta. Os políticos não são um mal necessário… Somos todos políticos. Somos todos Estado a cada instante e, sobretudo, no momento das eleições. Abril é um processo e está em marcha. Abril é uma ideia assente num sonho maravilhoso que temos de perseguir.
Esse raciocínio conduz-me a um terceiro ponto. A responsabilização dos cidadãos perante este novo Abril é urgente e passa sobretudo pela sua literacia mediática, pela aprendizagem de utilização das redes sociais e dos media noticiosos.

A este respeito, convirá esclarecer que a utilização das redes sociais pelos agentes políticos não tem estado sujeita às regras democráticas, permitindo-se que as micro-direitas tenham agido impunemente como nas eleições de Trump, Bolsonaro, no caso do Brexit ou mesmo na atuação da candidatura de André Ventura à Presidência. Este é o ponto mais sensível. Aqui têm sido criadas condições para o engano e para a desonestidade.

As redes sociais nasceram com um defeito essencial: só fornecem a informação que se procura, de acordo com o perfil de cada utilizador. Alguém que segue uma página de extrema-direita não vai receber informação das páginas da esquerda, ficando bloqueado numa argumentação sem contraditório. Esse é o verdadeiro perigo deste novo Abril: o da desinformação. É urgente a introdução de disciplinas de literacia mediática no sistema educativo. É urgente que os media estatais e privados iniciem campanhas para a literacia mediática. É urgente que se aprenda sobre as agendas e sobre o xadrez da informação, porque este ano a revolução saiu à rua e tirou os reacionários das sombras.

A revolução exige o passo seguinte: um Maio maduro e preparado para estes novos embates.