Paulo Lopes

28 de 04 de 2021, 17:32

Cultura

Estado vegetal

Na crónica, Patrícia Portela lança uma série de reflexões sobre a relação da humanidade com a natureza. À conversa, junta-se o convidado Sérgio Hidalgo que, no Teatro Viriato, apresenta um ciclo de música especial a par com a Galeria Zé dos Bois.

Podcast Boca a Boca



Porque têm de ser os humanos as personagens principais de um espetáculo de teatro?
Porque não escolher criaturas polifónicas?
E se pudéssemos entender as línguas das plantas e perceber o que nos têm a dizer?
O que nos poderiam ensinar sobre outras formas de pensar, sobre outras formas de ser que não esta, a nossa?
Porque aceitamos com tanta facilidade que uma aplicação digital saiba tanto sobre os nossos gostos as nossas ansiedades e não nos passa pela cabeça ter vergonha de algumas ações que praticamos na presença de uma planta?
Porque não semear o nosso herbário intelectual num teatro botânico e com um elenco vegetal? Porque não procurar uma proposta performativa que questione os limites da nossa perceção de um mundo que, além de nós, compreende outros seres animais, minerais e vegetais?
Porque não aprender a falar a língua das plantas? Perceber o que lhes agrada, o que as repugna, o que fariam diferente?
Porque não reativar aquele que é o diálogo mais primordial, o do ser humano com a natureza, recuando até ao momento em que todos nos entendíamos e não éramos fábulas?
De certa maneira é esta a proposta de Manuela Infante, encenadora e autora de «Estado Vegetal», um espetáculo construído a partir da obra do filósofo Michael Marder e do neurobiologista Stefano Mancuso. Escolhemos este espetáculo para abrir a nossa colaboração com o Festival de Teatro Internacional de Expressão Ibérica. Por ora apresentado em formato digital, «Estado Vegetal» é um espetáculo que se prolonga para lá da sua apresentação, quando saímos de casa, e nos deslocamos até ao café, até ao jardim ou até à vizinha da frente, reparando em cada elemento não antropomórfico do caminho.
Se não somos o centro do universo, nem mesmo da nossa rua, porque desejamos continuar a ocupar o centro de uma sala de espetáculos? Se ainda há tanto que nos escapa, porque nos contentamos com o pouco que julgamos conhecer?

____
Patrícia Portela, diretora artística do Teatro Viriato