Autor

Alexandre Hoffmann

18 de 12 de 2021, 08:17

Cultura

Teatro: Sara Barros Leitão devolve história do trabalho doméstico ao palco

Quem assistir à apresentação deste espetáculo, no sábado, terá a oportunidade de partilhar dois dedos de conversa com Sara Barros Leitão e Mafalda Araújo

Susana ferreira

Uma tentativa de devolver um pouco da história do trabalho doméstico, ainda muito pouco reconhecido e valorizado, é um dos objetivos da nova criação de Sara Barros Leitão.

“Monólogo de uma mulher chamada Maria com a sua patroa” é a mais recente criação da encenadora e actriz, que o Teatro Viriato tem em exibição.


Com um título roubado clandestinamente a um texto do livro “Novas Cartas Portuguesas”, a peça é o culminar de um longo processo de investigação em arquivos e a partir de histórias de mulheres sobre o trabalho doméstico e a criação do primeiro Sindicato do Serviço Doméstico em Portugal, nos anos 1970, disse a criadora à agência Lusa.

Sem se apropriar da voz de nenhuma Maria, “como são chamadas grande parte das trabalhadoras domésticas de modo a torná-las um sujeito comum e coletivo e não individual”, nem de qualquer patroa, Sara Barros Leitão concebeu e escreveu um monólogo, que também interpreta, ao longo do qual fala de mulheres que limpam e cuidam do mundo, que produzem, educam e preparam a força de trabalho sem que o que fazem, ao longo dos tempos, tenha tido visibilidade ou relevo, acrescentou.

À semelhança dos anteriores monólogos que escreveu, encenou e interpretou – “Teoria das três idades” e “Todos os dias me sujo de coisas eternas” – o espetáculo que agora estreia na Black Box do CCB encerra “uma espécie de trilogia deste ´one woman show`“ que resulta também de um longo processo de investigação em arquivos e de histórias que contribuíram para o espetáculo.
No caso do trabalho que agora chega ao CCB, a atriz partiu da criação do primeiro Sindicato do Serviço Doméstico em Portugal, tema sobre o qual andou “obcecada e embrenhada” em documentos que consultou e leu ao longo de duas semanas nos arquivos deste sindicato, no Seixal.

“Monólogo de uma mulher chamada Maria com a sua patroa” é também o primeiro trabalho que a atriz cria com a estrutura que fundou, em 2020, e dirige, Cassandra, destinada a produzir e fazer circular os seus trabalhos.
A ideia de criar um espetáculo a partir do trabalho e do serviço doméstico "há muito" que a acompanhava.
Até porque, enquanto mulher, é uma das coisas que ocupa “grande parte” do seu dia, do seu tempo e da sua carga mental. Além de que, nas sociedades ocidentais, é “estruturalmente uma questão associada às mulheres”, observou.
E ao trabalhar sobre isso, e também enquanto feminista, começou a questionar: o que significa pagar “a outras mulheres para virem a casa limparem aquilo que nós não queremos ou não podemos limpar”.

“E a partir daqui começo a aperceber-me de que há uma luta, nos anos 1970, destas mulheres, de mobilização, de reivindicação, de organização coletiva que não está na narrativa principal, que nunca me foi contada e que eu desconhecia completamente”, frisou.
Foi, então, que começou a investigar sobre a criação daquele sindicato e a consultar os arquivos deste, acabando por entrevistar também mulheres que estiveram na origem da sua criação. E que contribuíram para o espetáculo que aborda um trabalho que ainda hoje continua "sem visibilidade".
Estas mulheres nos anos 1970, em Portugal, tinham reivindicações “completamente revolucionárias e noutro país da Europa, nomeadamente Itália, ou até mesmo nos Estados Unidos, havia muitas mulheres nesta época a pensarem como elas e que ficaram realmente para a história”, sublinhou.
“E estas mulheres não encontraram aqui em Portugal ninguém que escrevesse a sua história”, sustentou, acrescentando tratar-se de um espetáculo que acaba também por ser “uma crítica” à forma como se foi registando a história.

Sara Barros Leitão trabalha regularmente em televisão, cinema e teatro. Atualmente, trabalha como atriz, criadora, encenadora e dramaturga. Feminista e ativista, usa o espaço de cena, o papel e a caneta como se fossem uma caixa de fósforos e um bidão de gasolina, ou um megafone para contar a história dos esquecidos.

Quem assistir à apresentação deste espetáculo, no sábado, terá a oportunidade de partilhar dois dedos de conversa com Sara Barros Leitão e Mafalda Araújo, socióloga e escritora que coordenou a pesquisa para a peça, na conversa Boca Livre.