Autor

Rebelo Marinho

15 de 09 de 2022, 10:14

Colunistas

O truque

Em tempos de crise profunda, ficaria bem ao governo anunciar o pacote de medidas, justificar o porquê de ser tão pouco, e preparar os cidadãos para redução futura nas suas pensões

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Nada de mais actual do que o apoio social às famílias, anunciado pelo governo para fazer face ao aumento brutal do custo de vida, que aí está, por via da guerra e da inflação galopante.
Foi curto, face à almofada financeira que o Executivo detém, um valor bem superior ao gasto neste pacote (2.4MM), mas reconheça-se que foi prudente, face ao objectivo saudável do controlo do défice e da diminuição da dívida pública, essenciais à nossa credibilidade perante os mercados internacionais. Veja-se como a agência de notação financeira “Standard & Poor`s e a “DBRS” reviram em alta o rating da dívida portuguesa.

Fixou-se, para 2023, uma subida máxima de 2% para as rendas, um travão essencial aos apetites dos senhorios, mas nem uma palavra sobre o crédito à habitação, sabendo-se que estão previstas mais duas a quatro subidas das taxas directoras do BCE nos próximos meses, o maior salto de sempre dos juros, sendo que a prestação da casa arrisca subir mais de 100€ nos créditos mais altos.
A redução do IVA, de 13% para 6%, sobre a electricidade, é residual, traduz-se numa poupança de 1.6 €/mês, e não é para todos, só para quem tem uma potência contratada até 6.9 KVA, mas até nessa questão só a muito custo os governantes lá tiveram de destapar o tacho, e esclarecer o povo que já rejubilava com mais aquecimento no Inverno.

Os extraordinários150 € por cada membro do casal e os 50 € por cada filho até aos 24 anos, é um côdea, que não vai minorar coisa nenhuma, todos nós o sabemos, não paga uma bebida numa casa de alterne.
Faltou o arrojo, copiando os espanhóis, de um cabaz de bens essenciais com o preço controlado, negociando contrapartidas a produtores, distribuidores e revendedores.
E aos pensionistas, que vão receber, em Outubro, uma antecipação da metade que lhe era devida em 2023, e a outra metade, no próximo ano, com aumentos percentuais diferentes, consoante o seu valor nominal, o PM, querendo ser simpático, e com um ar condoído, não lhes disse tudo, Vieira da Silva veio fazer de “consciência moral” do sistema, corroborando o “chefe”, e Medina dançou, rodopiou, claudicou, e só soçobrou perante as investidas de economistas que denunciaram o truque. A festa é agora, mas em 2024, a base de incidência vai mudar, e os pensionistas vão receber bem menos.

Quando o próprio eleitorado do PS, e alguns dos seus dirigentes, se revoltaram contra a tosca trapaça, lá veio Costa, “O milagreiro”, anunciar em Leiria que o governo iria fazer uma reflexão sobre as pensões para 2024, mas que só para o ano decidirá sobre a reposição do poder de compra dos reformados.
Custa que este governo se envolva diariamente, e desnecessariamente, em esquemas, mentirocas, omissões e meias-verdades. Os seus membros já tinham idade e experiência para terem juizinho, e falarem verdade ao povo, porque o povo entende quando percebe que não lhe estão a esconder nada. Agora, baralhar, e dar de novo, é que não. Fica-lhes mal.
Todos os estudos, todos os economistas convergem na opinião de que a base para aumento para 2024 vai diminuir, só aqueles que são pagos para vender gato por lembre, fazendo figura de ventríloquos, teimaram em dizer que era branco o que era negro.

Em tempos de crise profunda, ficaria bem ao governo anunciar o pacote de medidas, justificar o porquê de ser tão pouco, e preparar os cidadãos para redução futura nas suas pensões, por razões de alterações de políticas sociais, mas, tristemente, só o disse obrigado, encostado à parede. De outra forma, andar-nos-iam a mentir, até não poder mais. É o costume.
O governo é mestre no manejo das contas, mas muito relapso nos seus deveres de transparência para com o eleitorado. Deixar, deliberadamente, no limbo, medidas menos simpáticas, é uma aldrabice. Não é bonito.
E, a continuar assim, enganando, ou não dizendo a verdade toda, vai pagar por isso.