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18 de 02 de 2024, 11:18

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Aldeias de Montanha: pastores, lendas e a natureza no seu estado puro

A ADIRAM, com sede em Seia, no distrito da Guarda, integra 41 localidades de nove concelhos dos distritos de Castelo Branco, de Coimbra e da Guarda. Siga a sugestão do Jornal do Centro e descubra algumas das Aldeias de Montanha

A Associação de Desenvolvimento Integrado da Rede de Aldeias de Montanha (ADIRAM) lidera um consórcio para valorização dos recursos do seu território em áreas como o empreendedorismo, inovação, património, turismo e empoderamento das mulheres.
O consórcio envolve 90 parceiros. Inclui todos os municípios do Parque Natural da Serra da Estrela e áreas contíguas, as comunidades intermunicipais das Beiras e Serra da Estrela e Região de Coimbra, entidades do sistema científico nacional, representantes das comunidades e associações, empresários entre outras entidades”
A ADIRAM, com sede em Seia, no distrito da Guarda, integra 41 localidades de nove concelhos dos distritos de Castelo Branco, de Coimbra e da Guarda. Siga a sugestão do Jornal do Centro e descubra algumas das Aldeias de Montanha.


Lapa dos Dinheiros

A mesa rica e variada que lhe puseram à frente impressionou de tal forma D. Dinis (que ali parara para pernoitar) que o rei logo perguntou: “Como conseguiram um jantar tão farto?”. “Com os nossos dinheiros”, responderam os anfitriões. E o monarca fixou-lhes o nome: daí em diante, a singular aldeia da Lapa (construída sobre a rocha) passaria a chamar-se Lapa dos Dinheiros.
Se (segundo a lenda) os dinheiros que financiaram o repasto que conquistou el-rei provinham da agricultura e da pastorícia, ocupações ancestrais dos habitantes da povoação, hoje as riquezas desta Lapa, erguida a 700 metros de altitude sobre o rio Alva e a ribeira da Caniça, são outras.
Em torno da aldeia do concelho de Seia, lugar com ocupação humana desde o neolítico, conserva-se a natureza no seu estado mais puro. É o caso do Souto da Lapa, que – para além do precioso conjunto de castanheiros centenários que lhe dá nome –, alberga espécies de fauna e flora raras no país. Ou da ribeira da Caniça, que banha a praia fluvial da Lapa dos Dinheiros, afundada no manto verde dos montes e encostas da serra.
Nas imediações, não faltam motivos para uma fuga revigorante: frondosos soutos e, na ribeira da Caniça, piscinas naturais e belas quedas de água. Na geologia destacam-se ainda os Buracos da Moura e do Sumo e os Cornos do Diabo (para os menos hereges, há no centro da aldeia, a capela oitocentista de Nossa Senhora do Amparo, com a sua fachada de granito e o altar em talha dourada).
Está visto que a riqueza de um lugar não se mede apenas em dinheiros.


Valezim


O local não passou indiferente aos mouros que cruzavam a montanha, nos primórdios da ocupação da Península Ibérica. No cimo de um vale soalheiro, atravessado por ribeiras que trazem as águas da serra, era o sítio ideal para fixar uma nova povoação. E, diz a lenda, os mouros não hesitaram: “neste vale, sim!”, terão exclamado, dando origem à aldeia (e ao nome) de Valezim.
Desses tempos – reais ou efabulados – pouco resta nesta aldeia do concelho de Seia. Mas a antiguidade do povoado é evidente para quem atravessa as ruas de Valezim, de calçada medieval e inspiração granítica. Do pelourinho quinhentista (imóvel de interesse público) aos vários templos religiosos (Igreja de Nossa Senhora do Rosário, capelas de São João e São Domingos, Igreja Matriz do Santíssimo Sacramento) são vários os edifícios que comprovam as origens ancestrais do lugar.
É, no entanto, relativamente recente (início do século XX) um dos locais mais estimados pela população: o Santuário de Nossa Senhora da Saúde, localizado no monte do Calvário (miradouro com vista até à serra do Caramulo). Ali acontece, em setembro, uma das mais importantes peregrinações da região das Beiras, outrora realizada em passo de dança, ao som de instrumentos musicais trazidos pelos fiéis. A ousadia não agradava aos párocos da época, mas o povo tudo fez para preservar a cultura e tradição. Sim, os valezinenses são gente determinada: é ver que, graças à iniciativa da população, esta foi a primeira freguesia do concelho de Seia a dispor de água canalizada, eletricidade e rede de esgotos em todo o território. Neste vale tudo começa (e acaba) com um sim.


Vide


Há um segredo escondido nas terras de Vide. E os pastores – os poucos a aventurar-se nos difíceis caminhos por entre os montes, numa aldeia onde a primeira estrada só chegou no segundo quartel do século XX – guardaram-no durante séculos. Chamavam-lhes “pegadas dos mouros”, ignorando que as suas origens eram bem mais remotas: ali, no concelho de Seia, está gravada um dos maiores núcleos de gravuras rupestres pré-históricas nacionais.
Sim, Vide é habitada desde o Paleolítico Superior – comprovam-no as descobertas arqueológicas encetadas no início do século XXI, que deram origem ao Centro de Interpretação de Arte Rupestre local. No entanto, a aldeia que conhecemos hoje só começaria a ganhar forma no século XVI, partida entre as duas margens do rio Alvoco e dividida entre duas montanhas: de um lado, a serra da Estela; do outro, a serra do Açor – unidas por uma ancestral ponte medieval.
Ora, numa aldeia secular, a história permanece viva a cada esquina. Desde a igreja matriz (há 300 anos pendurada sobre o rio), passando pelo casario de xisto – a casa mais antiga data de 1734, e é um exemplo da arquitetura tradicional local, com varanda coberta no primeiro andar –, pelos antigos fontanários, pelos moinhos ou pelo cruzeiro, são vários os exemplos que comprovam a antiguidade do lugar. Parte dessas memórias estão contadas no Lagar do Ribeiro – um dos seis outrora existentes, agora transformado em espaço museológico.
Saindo da aldeia, há que desfrutar de locais como as quedas de água das Cabouqueiras, na aldeia de Balocas, uma cascata natural da bacia do Alvoco, das quais se espreita um espelho de água, em forma de olho, que segundo antigas crenças se diz não ter fundo...dando até ao mar.
Mar não é certamente, mas no verão fazem as delícias dos veraneantes, mas são os icónicos Poços de Broca nas aldeias de Barriosa, Frádigas e Muro, surpreendentes cascatas feitas pelo homem para aproveitamento agrícola, que tão bem se inserem na paisagem – segredos da natureza local, que nem as montanhas da serra conseguem esconder


Teixeira


Aqui fala-se não de uma mas, sim, de duas Teixeira: a de Cima e a de Baixo. Uma zanga de pastores distanciou-as. No entanto, não as conseguiu separar. Hoje continuam ligadas, partilhando ritos, tradições e património, como se nunca tivessem deixado de ser o mesmo lugar.
A história conta como naquele vale da Ribeira de Teixeira, rodeado por matas de pinheiro-bravo, giestais e medronhais, e habitado desde tempos imemoriais por pastores, uma altercação entre congéneres fez nascer duas povoações homónimas. Mas conta também como estas nunca deixaram de se ligar, pelos caminhos que unem o Centro de Teixeira de Cima à Capela de Nossa Senhora da Conceição de Teixeira de Baixo.
Esse percurso pedestre (a Rota da Missa) permite reconhecer o casario de xisto e os campos de cultivo em socalcos comuns na natureza da região. Contudo, nenhuma visita fica completa sem provar a aguardente de medronho típica de Teixeira. Um brinde com ela será, provavelmente, a melhor forma de terminar com qualquer zanga.

Fonte: Aldeias de Montanha