Jorge Lopes

23 de 04 de 2022, 09:00

Diário

As mulheres da região que lutaram pela liberdade e acabaram presas

Ditadura prendeu mais de 40 mulheres naturais ou residentes na região de Viseu, ao longo de quarenta anos. União de Resistentes Antifascistas Portugueses apresenta este sábado em Viseu o livro “Elas estiveram nas prisões do fascismo”. Revolução dos Cravos faz 48 anos na segunda-feira

conceição matos foto prisão pide

Fotógrafo: D.R.

Elisa Dinis, Madalena Coelho Marques de Almeida, Idialeda do Espírito Santo Pereira Fontoura e Pires, Virgínia de Jesus Pereira Cardoso, Maria Estrela Lopes Soares, Odete de Lima Carvalho dos Santos, Rita Santana Vaz da Rosa.

São alguns dos nomes das mulheres oriundas ou residentes na região de Viseu que foram presas durante o tempo em que a ditadura prevaleceu em Portugal, com o Estado Novo de Oliveira Salazar e Marcello Caetano. Por detrás de cada nome, era uma pessoa com a sua vida, as suas raízes, a sua profissão e que, por certo, foi presa por ser contra o regime não-democrático.

Numa altura em que a democracia já superou o tempo de vigência da ditadura em Portugal e se aproxima mais uma comemoração do 25 de Abril, a União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP) vai apresentar este sábado em Viseu o livro “Elas estiveram nas prisões do fascismo”, procurando prestar homenagem ao papel que as mulheres tiveram na resistência contra o Estado Novo.

A apresentação irá contar com a presença de Maria da Conceição Rodrigues de Matos, símbolo maior dessa resistência e militante do PCP. É natural de São Pedro do Sul, oriunda de uma família de sete irmãos e filha de um pai operário, mas mudou-se para o Barreiro com apenas três anos. Iniciou a sua intervenção política levada pelo irmão, mas é nos anos 50 que adere ao Partido Comunista.

Conceição Matos é casada com Domingos Abrantes, também um histórico comunista. Viveram anos na clandestinidade, como funcionários do Partido Comunista, e casaram na cadeia de Peniche, em 1969.

Em abril de 1965, a PIDE arrombou a porta da sua casa, no Montijo, e Conceição foi presa pela primeira vez, sujeita a tortura. Chegou a estar isolada 17 dias numa cela. Durante três dias e três noites, resistiu à tortura do sono e a espancamentos e foi obrigada a defecar e urinar no chão de uma sala de interrogatório e a limpar tudo com a sua própria roupa.

Não falou nos interrogatórios e foi vítima de alguns dos métodos de tortura então praticados pela PIDE. Esteve presa em Caixas e torturada na sede da PIDE, em Lisboa.

Voltou à prisão pela segunda vez em 1968, permanecendo em Caxias durante dois meses e alguns dias. Só quando saiu é que tomou conhecimento da morte de Oliveira Salazar e da nomeação de Marcello Caetano. Prosseguiu o seu trabalho junto da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos e, quando o companheiro Domingos Abrantes foi libertado em 1973, o casal regressou ao trabalho clandestino do PCP fora do país.

Quando aconteceu a Revolução dos Cravos, Conceição Matos e Domingos Abrantes estavam em Paris. Viajaram de avião para Lisboa, juntamente com Álvaro Cunhal e muitos outros exilados.

Mais de 40 mulheres identificadas nos registos da PIDE

Ao todo, com base nos dados publicados no livro da URAP, estão identificadas 44 mulheres detidas que eram naturais ou residentes no distrito durante a ditadura, no período entre 1934 e 1974. Uma das mulheres que citámos no início deste texto, Elisa Dinis, foi detida três vezes. Natural de Moimenta da Beira e residente em Monção, a doméstica esteve na prisão nos dias 19 e 20 de setembro e 24 e 25 de outubro de 1951 e ainda a 13 de abril de 1959.

A URAP fez a listagem a partir de registos disponíveis na Torre do Tombo, no âmbito de um trabalho de pesquisa mais vasto sobre os presos políticos em desenvolvimento através do Projeto Alfredo Caldeira.

“O mais certo é nunca virmos a conhecer o número exato e a identidade de todas as mulheres presas por motivos políticos durante os 48 anos da ditadura fascista, mas é possível apresentarmos aqui, e pela primeira vez, uma relação – seguramente próxima da realidade – de 1.755 mulheres presas pelas polícias políticas nesse período com alguns elementos de identificação e as datas em que foram presas e libertadas”, escreveu a URAP no livro.

Do total, 1.668 mulheres constavam em 148 livros do registo de presos da PIDE, a polícia política do Estado Novo, entre 1934 e 1974. Nem todos os presos que constam dos registos da PIDE são presos políticos, sendo que há também presos por emigração clandestina, falta de documentação por parte de estrangeiros, etc. Também foram descobertas 81 fichas de cadastro na investigação que irá continuar nos próximos tempos.

Os dados não têm muitos erros e, nas mulheres, a data de nascimento não está indicada nem a profissão nos registos em cerca de 5 por cento dos casos. A naturalidade e a residência não aparecem em apenas 1 e 2 por cento dos casos, respetivamente.

De resto, há poucas mulheres naturais da região que foram detidas no distrito, até porque a maioria foi detida em outros locais como Lisboa, Porto, Coimbra e até Espanha e França, desempenhando funções como doméstica, costureira, moça de fretes e hospedeira da TAP. Além disso, também houve uma estrangeira detida no concelho de Cinfães, a espanhola Antónia Dieguez.

Boa parte das prisões foi cumprida em períodos inferiores a um ano, e por mais do que uma vez nalguns casos. Algumas mulheres foram mesmo presas apenas por um dia. Mas também houve quem estivesse presa durante um ou dois anos.

De toda a lista já apurada, uma estudante natural de Mortágua, Fernanda de Paiva Tomás, esteve mais tempo na prisão, tendo estado atrás das grades de 6 de fevereiro de 1961 e 19 de novembro de 1970. Antes, foi presa em 1950.

Domésticas e alunas estiveram mais sujeitas à prisão

Segundo a URAP, a região Centro teve 274 mulheres naturais da zona que foram presas entre 1934 e 1974. Durante todo este período, em todo o país, houve 2.141 prisões políticas de pessoas do sexo oposto.

Grande parte das presas eram domésticas (49,2 por cento) e estudantes (11,1 por cento), um número significativo tendo em conta a reduzida percentagem de alunas dos ensinos secundário e superior na altura. Muitas das mulheres classificadas como domésticas eram trabalhadores não-assalariadas ou mesmo assalariadas sazonais, nomeadamente na agricultura. Já as estudantes foram mais presas nos últimos anos da ditadura.

Como as forças armadas e de segurança e as funções de maior responsabilidade política, empresarial e institucional estavam praticamente vedadas às mulheres, não houve presas que ocupavam tais ocupações.

As mulheres que iam à prisão pela primeira vez eram geralmente muito jovens. A média geral das idades não chegava aos 32 anos e mais de metade tinha até 30. As meninas que tinham até 21 anos representavam 16,4 por cento do número total, enquanto as jovens entre 21 e 30 anos representavam 35,7 por cento.

O registo de presos da PIDE assinalava 150 cadeias ou outros locais onde as mulheres estiveram presas, incluindo GNR, PSP, guardas fiscais e até hospitais.

Uma luta pela democracia que foi difícil

De acordo com a URAP, as mulheres antifascistas que lutaram contra a ditadura foram presas e, em muitos casos, condenadas a penas, vivendo durante 48 anos “uma situação de brutal supressão dos seus mais elementares direitos” e estando sujeitas “a um impiedoso e arbitrário regime de prepotência, perseguição, violência física e psicológica, isolamento e tortura”, além de duros interrogatórios.

Segundo a URAP, houve “um lado feminino da luta contra o fascismo” com mulheres trabalhadoras e de outras origens que travaram lutas por melhores condições de trabalho, salários, horários, etc., e participaram em manifestações humanitárias e organizações que terão contribuído para uma maior consciência política.

“No regime fascista, as mulheres operárias foram particularmente exploradas e muitas e muitas lutaram para que o 25 de Abril de 1974 fosse possível, arriscando a liberdade e a vida”, pode ler-se no livro “Elas”. Várias mulheres chegaram a estar cerca de 20 anos na clandestinidade, sem serem presas, e só nos últimos anos do Estado Novo é que houve um aumento da participação das mulheres na vida sindical.

Faz agora 48 anos que se fez a Revolução dos Cravos.

infografia mulheres presas 25 de abril