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19 de 11 de 2022, 08:09

Diário

Dinâmicas no Centro Histórico de Viseu falham no sentido de comunidade dos moradores

Diagnóstico participativo aponta problemas e deixa proposta. Agora, é do papel à prática

Prédios Centro Histórico

Fotógrafo: Igor Ferreira

O Centro Histórico de Viseu não tem identidade, falta-lhe espírito de comunidade e espírito participativo entre agentes económicos e moradores. Ninguém contesta a beleza arquitectónica desta zona nobre da cidade, mas são muitos os defeitos que se lhe apontam e que tem levado à sua desertificação.

“Falta-lhe identidade humana. Aquela ligação onde as pessoas se sintam bem vindas, que queiram regressar. E quem está com negócios tem de saber dar qualidade. Tudo começa aqui”, assume quem frequenta o Centro Histórico.

Este é um local de duas realidades, duas vivência. Uma zona onde a diversão noturna contrasta com o sossego diurno, onde as casas devolutas começam a dar lugar a novos espaços reconstruídos, onde ainda se vê a roupa estendida nas janelas e os mais velhos habitam de dia, enquanto os mais novos fazem a noite.

A zona histórica acolhe atualmente moradores em risco de pobreza e exclusão social, idosos, famílias carenciadas e imigradas, com situações de realojamento recentes. A vulnerabilidade e necessidades dos moradores são notórias, embora escondidas e envergonhadas. “Confirmámos esta informação junto de instituições e agentes que se encontram a intervir neste território. Existe um fraco sentido de comunidade embora subsistam problemas que são comuns a vários residentes. As redes de solidariedade existentes foram quebradas e, frequentemente, existe desconhecimento e desconfiança face aos novos vizinhos”. Esta é uma das conclusões do Diagnóstico Participativo da Zona Histórica de Viseu, promovido pela Junta de Freguesia.

Face a um processo de desertificação (segundo dados do município, entre 2001 e 2011 o Centro Histórico perdeu quase 30% de seus habitantes) e degradação, o centro histórico de Viseu ganhou, no entanto, uma nova vida nos últimos anos.
O diagnóstico é claro: “Não se pode negar aqui a contribuição da indústria de ócio noturno que, embora não sem alguma oposição de alguns vizinhos, ajudou a revitalizar esta área. É um espaço com um aumento notável de afluência aos fins-de-semana, com muitas pessoas andando pelas ruas até altas horas da noite.

Mas, ainda assim, “as recentes dinâmicas culturais no centro histórico, com implicações nas relações sociais, parecem pouco contribuir para o fortalecimento do sentido de comunidade dos moradores”.

Um dos objetivos deste trabalho promovido pela Freguesia de Viseu é de ajudar a dar contributos, gerar conhecimento coletivo sobre os problemas, necessidades, recursos e oportunidades de
desenvolvimento da zona histórica de Viseu, através de espaços de debate nos quais os diferentes segmentos sociais e populacionais implicados podem participar e ter voz ativa.

“Identificar necessidades, detetar problemas e respetivas causalidades, bem como conjugar recursos e arrolar parceiros é o caminho para melhorar e potenciar as condições e os recursos que contribuem para a melhoria da qualidade de vida dos nossos concidadãos”, identificam os coordenadores deste diagnóstico.


Até porque, ao se conhecer estas perceções, “facilmente se reconhece a necessidade de criar condições para o maior envolvimento dos moradores e demais atores locais na vida cultural do centro histórico, de modo a que possam desenvolver um maior sentido de pertença ao local e criar relações vicinais solidárias, com benefícios na resolução ou amenização dos problemas”.

Prédios Centro Histórico

Fotógrafo: Igor Ferreira





O que se diz sobre o Centro Histórico

Falta de cultura de participação entre os comerciantes da zona histórica (sempre que são convocados para reuniões e assembleias não comparecem); resistência dos comerciantes da zona histórica em acompanhar a evolução e inovar; falta atrair jovens; consumo de álcool e mau ambiente; barulho noturno e falta de policiamento, sentimento de insegurança das pessoas à noite.

Questionados os morados sobre como decorre a convivência intercultural a nível local (rua/praça, zona), as respostas confirmam o desconhecimento em relação aos novos vizinhos imigrantes e a fraca ou inexistente interação. Os discursos sublinham a expressão “cada um mete-se na sua vida”. Os moradores participantes consideram que, no geral, a relação passa por um “bom dia” e “boa tarde”, estabelecendo mais ligação com as pessoas que ali moram desde sempre. Desejam uma maior convivência entre as pessoas, tal como existia em tempos atrás.

Durante as sessões de autodiagnóstico, roram expostas, pela primeira vez, situações de pobreza associada a moradores da zona histórica. De acordo com testemunhos dos participantes, existem no centro histórico pessoas que passam pela privação sustentada ou crónica das condições necessárias para o gozo de um adequado padrão de vida, potenciando situações de exclusão social. Foram relatadas situações de sem abrigo, habitações sem casas de banho e dificuldades financeiras de algumas pessoas que, não fosse o apoio regular de instituições como a Cáritas, não conseguiriam satisfazer as necessidades básicas à sua sobrevivência.

Outros aspetos apontados prenderam-se com as infraestruturas, equipamentos e tipo de comércio existente nesta zona. A falta de iluminação para evidenciar as fachadas bonitas dos edifícios foi um dos aspetos apontados, assim como um comércio tradicional pouco atrativo. “Faltam serviços e comércios âncora para que as pessoas sejam obrigadas a frequentar o centro histórico durante o dia”, propuseram os inquiridos.

Nem tudo é negativo e são também referidos como aspetos positivos a proximidade com os serviços, os espaços culturais e religiosos e o bom ambiente entre vizinhos, mas os conhecidos.

O que dizem os comerciantes

Os dados recolhidos deixam bastante claro os problemas mais imediatos percebidos por este setor da população. Os aspetos problemáticos mais referenciados prendem-se com a desertificação do centro histórico (11%); a falta de estacionamento (11%); o encerramento dos estabelecimentos comerciais (9%).
À semelhança do que vem acontecendo com os centros históricos de muitas outras cidades, a desertificação é aqui apontada pelos comerciantes e empresários inquiridos como um dos principais problemas da zona histórica de Viseu.

As propostas

De acordo com os coordenadores do diagnostico, ao todo foram feitas 80 propostas apresentadas pelos participantes para o desenvolvimento da zona histórica de Viseu, entre elas facilitar o arrendamento acessível de habitações na zona histórica, criar estacionamento exclusivo para moradores, lojas mais atrativas que façam esquecer os centros comerciais, chamar grandes marcas para abrirem lojas na Rua Direita, criar um centro comercial a céu aberto como acontece noutras cidades pelo mundo.
É ainda apontada mais animação de rua como, por exemplo, organizar-se uma feira semanal no largo Pintor Gata ou reativar a tradição das Festas de Santo António. Por outro lado, é pedido mais policiamento para eliminar os ajuntamentos para consumos de álcool e drogas e ajustar os trabalhos de limpeza com as horas de fecho dos bares.

“Identificar necessidades, detetar problemas e respetivas causalidades, bem como conjugar recursos e arrolar parceiros é o caminho para melhorar e potenciar as condições e os recursos que contribuem para a melhoria da qualidade de vida dos nossos concidadãos”, considera o presidente da Junta de Freguesia de Viseu.

Diamantino Santos refere que neste diagnóstico “por ser um instrumento que resulta da participação individual e coletiva, com métodos e processos facilitadores da interação e da comunicação entre eles, os resultados obtidos refletem cabalmente o real sentir das dificuldades e necessidades requeridas”.
“Fica a garantia de agilizarmos e providenciarmos os meios e recursos para que as conclusões saiam do papel e sejam implementadas”, assegura o autarca.