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27 de 11 de 2021, 08:53

Diário

Peculato e falsificação ditam perda de mandato ao autarca de Tondela. E agora?

A oposição – PS – vem dizer que “há muito” que José António Jesus não tinha condições para liderar a autarquia. PSD remete para mais tarde uma análise a esta decisão

José António Jesus Presidente da Câmara Municipal de Tondela

Fotógrafo: Igor Ferreira

Dois meses depois de ser reeleito e mais de dois anos depois de começarem as investigações, o Tribunal de Viseu indicou a perda de mandato do presidente da Câmara de Tondela (PSD). José António Jesus foi condenado pelos crimes de peculato e falsificação de documentos a cinco anos de prisão com pena suspensa.

Na leitura do acórdão, foi ainda indicada a proibição de exercer cargos políticos durante quatro anos.
A sentença, que o advogado do autarca já anunciou que será objeto de recurso, só é, no entanto, aplicada a partir do momento em que o acórdão transite em julgado.

Depois da justiça, faz-se agora a leitura política. A oposição – PS – vem dizer que “há muito” que José António Jesus não tinha condições para liderar a autarquia. Há também quem lamente que quem entrou há mais de 20 anos pela porta grande venha agora sair pela “porta pequena”.
“Do ponto de vista legal, e até que transite em julgado a decisão, o presidente da Câmara tem toda a legitimidade de se manter no cargo. No plano político, considero que há muito não tem legitimidade para se manter no cargo, muito menos para se ter apresentado a eleições e agora para continuar. Mas é um problema dele e do partido que o suporta”, diz Francisco Coutinho, vereador socialista na Câmara de Tondela.
Contactado, o líder da Distrital do PSD remeteu para mais tarde uma análise a esta decisão.

O que é o crime de peculato

Em dezembro de 2020, José António Jesus e Pedro Adão (que então era vice-presidente) começaram a ser julgados pelos crimes de peculato e falsificação de documento, factos ocorridos entre 2010 e 2017.
Pedro Adão foi condenado a uma pena de prisão, também suspensa, de quatro anos e dois meses, por um crime de peculato e um de falsificação de documento. Como já não exerce o cargo de vereador, não se lhe aplica a perda de mandato.
O tribunal decidiu que também Pedro Adão ficará proibido do exercício de função pública, por um período de três anos e meio.
A lei (artigo 20) diz que o titular de cargo político que no exercício das suas funções ilicitamente se apropriar, em proveito próprio ou de outra pessoa, de dinheiro ou qualquer coisa móvel ou imóvel, pública ou particular, que lhe tenha sido entregue, esteja na sua posse ou lhe seja acessível em razão das suas funções, é punido com prisão de três a oito anos e multa até 150 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.


As cartas anónimas



A investigação começou em finais de 2018, inícios de 2019, e surgiu depois de cartas anónimas terem chegado às autoridades a dar conta de que os dois autarcas estariam a receber indevidamente despesas de deslocação e transporte.
Na altura, tal como o Jornal do Centro noticiou, falava-se que tanto José António Jesus como Pedro Adão entregavam boletins de itinerário onde faziam constar deslocações em viatura própria quando as viagens tinham sido feitas em viaturas do município.
Ora, o Tribunal veio agora dizer que ficou provado que que ambos “fizeram constar informações que sabiam não ser verdade” nos boletins de itinerário, para assim receberem ajudas de custo por deslocações efetuadas em viaturas próprias que foram realizadas em viaturas do município.

José António Jesus fez depois as alterações aos boletins (que eram diferentes dos originais, que estavam digitalizados) para “evitar sobreposições com os itinerários da Via Verde das viaturas do município”. Aconteceu, pelo menos, em onze boletins.

“Culpa” dos serviços

No arranque do julgamento, José António Jesus prestou declarações e afirmou que foram os serviços camarários que, sem informação específica, deduziram que fez deslocações em viatura própria, tendo assim recebido o valor de quilómetros efetuados em carros do município.

Mas, o tribunal não teve dúvidas de que ambos, “de forma livre, deliberada e consciente”, se apoderaram “de quantias que sabiam que não lhes eram devidas”.
“Não colhe a versão que pretenderem fazer crer que os pagamentos indevidos se ficaram a dever a erros dos serviços”, referiu a juiz presidente do coletivo que aludiu à necessidade de prevenir estes crimes de apropriação de dinheiro público usando os cargos políticos, o que põe em causa a imagem das instituições e leva à perda de confiança.

A juiz falou mesmo em “dolo de forte intensidade reiterado durante muitos anos” e “conduta culposa”, não sem deixar passar o facto a verba devolvida só aconteceu a 31 de janeiro de 2019, dois dias depois de terem sido interrogados pela Polícia Judiciária.