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12 de 06 de 2022, 08:43

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Caminhos de Santiago: descobrir a zona de Lamego

Um itinerário que deixa memórias e identidades por quem por ele viaja tanto a pé como de carro

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Fotógrafo: D.R.

Desde há séculos, todos os anos, o Caminho de Santiago, que desde 1993 está inscrito como Património da Humanidade, é percorrido por milhares de peregrinos que atravessam Portugal de sul para norte.

Este caminho de peregrinação remonta ao início do século IX, quando foi (re)descoberta, na Galiza, a suposta sepultura do discípulo de Cristo que segundo a tradição, dera início à cristianização da Península Ibérica, Santiago. Por este motivo, ao longo destes últimos mil anos, Compostela transformou-se num centro de fé e foco congregador de cristandade e catolicismo.

Vindos também de outras partes do mundo os peregrinos dirigem-se em direção ao túmulo do Apóstolo São Tiago Maior presente na catedral de Santigo de Compostela, cidade espanhola situada na Galiza, para prestar culto a este santo que se popularizou ao longo da idade média.

Sendo um itinerário essencialmente de peregrinação em que muitos dos seus visitantes procuram um encontro com a espiritualidade, também tem motivações culturais, pelo vasto património, cheio de riqueza monumental, que se vai encontrando em todo o seu percurso. Este caminho atrai ainda pessoas por motivos desportivos.

Antigamente dependendo do local de partida, existiam vários caminhos com destino a Santiago, mas atualmente podem identificar-se três percursos principais.
O mais antigo é o caminho do Norte, que liga o Porto a Valença, passando por Rates, Barcelos e Ponte de Lima.
A Sul, o caminho central português que vem desde Lisboa passando por Tomar, Coimbra, Mealhada, entre outras cidades, chegando ao Porto, onde se inicia o caminho do Norte.
E o caminho do interior que vai desde Viseu a Chaves, e que é neste, que vamos descrever o percurso mais detalhadamente, pois este caminho ganhou uma nova vida com a abertura de albergues para os peregrinos e com a colocação da sinalética orientadora.

Saindo de Viseu este caminho passa junto a Castro Daire, Lamego, Peso da Régua, Santa Marta de Penaguião, Vila Real, Vila Pouca de Aguiar até chegar a Chaves, entrando depois, já em Espanha na antiga rota comercial dos romanos que atravessa o Oeste deste país.

Este itinerário que deixa memórias e identidades por quem por ele viaja tanto a pé como de carro, Lamego, sobressai pelo facto, de pertencer a um outro Património da Humanidade, o Douro Vinhateiro. Este é um território privilegiado quando falamos do caminho de Compostela, já que por aqui passam dois importantes itinerários.
Estes trilhos que se transformaram ao longo dos tempos também num espaço ecuménico por muitos que o fazem pelo seu relevante interesse histórico, artístico, cultural e turístico, porque foram surgindo nas mais diversas épocas, múltiplas estruturas de apoio aos peregrinos tais como mosteiros e conventos, pontes, albergues, cruzeiros e alminhas, hospitais, constituindo um notável conjunto patrimonial.
No concelho de Lamego, o caminho português interior tem início em Bigorne e termina quase trinta quilómetros depois, no lugar do Torrão, junto ao rio Douro.

Mas o ponto mais importante do percurso situa-se na cidade de Lamego, pioneiro na cristianização da região, sendo um bispado nos tempos imediatos à queda do Império Romano. O seu protagonismo religioso é atestado por inúmeros templos ancestrais, onde a catedral se evidencia. Esta, é também um destino de romaria e peregrinação que remonta ao século XVIII, por causa do seu santuário de Nossa Senhora dos Remédios.
Lamego é também, o local onde desagua um outro caminho interessante, menos conhecido e concorrido, mas nem por isso este itinerário deixou de ser usado pelos espanhóis para encurtar o percurso da Via da Prata. Foi o que fez o poeta e escritor espanhol Diego de Torres Villarroel em 1737, deixando-nos um registo desse percurso, com início em Salamanca. Ele percorreu 600 quilómetros até chegar a Santiago, e destes, 205 quilómetros foram feitos pelo interior do território português, incluindo Lamego, facto que deu origem ao atual caminho de Torres.
Em Lamego, na sua trajetória, podemos ser presenteados com múltiplos monumentos históricos, começando no caminho do interior de Bigorne a Cambres e depois no caminho do Torres de Ferreirim a Cambres.
O caminho português interior entra em Lamego pela freguesia de Bigorne, onde se situa a igreja dedicada a S. Sebastião, que exibe uma curiosa torre sineira que explica bem a importância que os sinos representavam para aquelas comunidades. Ao longo desta freguesia é possível ainda apreciar os cruzeiros e uma capela dedicada a Nossa Senhora de Guadalupe em Ribabelide.

Já na descida da serra de Bigorne, temos a ponte de Reconcos, onde é possível atravessar o rio Balsemão de uma margem para a outra.
A Igreja situada na vila de Magueija, tem por orago São Tiago, que está profundamente marcada por intervenções barrocas do século XVIII, onde se destaca o portal lateral que exibe uma imagem granítica de Santiago, vestido de peregrino com bordão, cabaça e chapéu de abas largas.
Na freguesia de Penude mais concretamente no lugar de Outeiro, com características maneiristas, construída no seculo XVII, ergue-se a capela que sofreu algumas alterações e que lhe conferem agora, um aspeto neorromânico. Neste local anteriormente existiu uma ermida dedicada a S. Martinho de Tours e cujo santuário em França foi um importante destino de peregrinação do ocidente medieval.
Em Lamego, o Santuário de Nossa Senhora dos Remédios, com mais de 650 degraus, é um dos mais notáveis sacro-montes de Portugal. Foi construído dentro do espírito barroco e cenográfico do seculo XVIII.
O Convento de Santo António de Ferreirim, que remonta a 1525, provavelmente já existia desde o seculo XIV, com uma torre fortificada. Na igreja o seu pórtico em estilo manuelino, pertence à face inicial deste convento masculino franciscano, que perdurou até à extinção das ordens religiosas em Portugal em 1834.
A igreja do Desterro fundada em 1640 e que segue as linhas iniciais dos modelos maneiristas, foi no seculo seguinte, marcada por um exuberante programa decorativo barroco, com uma talha dourada na sua capela-mor e os caixotões de madeira pintados no teto. O seu fundador, Frei Luís Álvares de Távora, foi a figura de destaque da ordem do hospital, instituição que sempre apoiou na hospitalidade dos peregrinos.
Mantendo a sua fachada original o atual Cineteatro Ribeiro Conceição de Lamego foi em tempos um hospital da misericórdia, que à semelhança de outros, serviu de pousada aos peregrinos.

Ainda em Lamego, a catedral, símbolo religioso e centro de bispado está referenciada desde épocas remotas do cristianismo na Península Ibérica. Restaurada a diocese no seculo XI, a atual catedral que tem documentada a existência no seu interior de uma capela de São Tiago, resulta da obra iniciada no reinado de D. Afonso Henriques, mas que terá sofrido sucessivas modificações nos seculos XIII a XVIII.
Criado em 1917 no antigo paço episcopal, o museu de Lamego, tem entre as suas obras artísticas, uma imagem barroca de Santiago peregrino datada do seculo XVIII, proveniente do antigo convento feminino das Chagas de Lamego, que encerrou aquando da morte da sua última religiosa em 1906.
Ao longo dos caminhos de Santiago as devoções marianas com destaque para a Nossa Senhora do Pilar na igreja românica de Santa Maria de Almacave, foram uma constante e muitos dos peregrinos terão pedido a proteção da Virgem neste templo edificado na primeira metade do seculo XII.

Voltando à cidade de Lamego e à sua importância estratégica, viária e militar, desde a idade média, esta contribuiu para que o seu território fosse cruzado pelos caminhos de Santiago, tornando-a num ponto crucial no contexto da expansão cristã para sul. A mais antiga referência ao seu castelo data do seculo IX, quando Fernando Magno conquista a cidade ao domínio muçulmano.
Já na descida para o Douro o caminho percorre a freguesia de Sande, cujo orago é Santiago. Nesta povoação a igreja de Santiago de Sande datará da idade média, embora com profundas alterações do seculo XVIII. Esta localidade, reforça a associação a Santiago, no brasão da freguesia através de uma concha de vieira que é motivo icónico do santo e dos seus caminhos.