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01 de 04 de 2021, 15:53

Lifestyle

Carlos Peninha: temas musicais dos últimos trinta anos deixaram de estar “Dispersos”

Novo álbum do músico viseense retrata a evolução e a influência musicais em 12 faixas que vão dos anos 90 a 2020

Carlos Peninha

Por Diogo Paredes


A música, como é possível verificar no mais recente álbum de Carlos Peninha, não tem idade nem fica presa no tempo. O disco “Dispersos”, como o próprio nome sugere, reúne uma coletânea de 12 músicas instrumentais gravadas ao longo de várias décadas. Apenas a música final, intitulada “Corridinho”, conta com a presença vocal, na qual Carlos Clara Gomes desempenha a “voz de mandador”, algo que, como Carlos Peninha explica, “É em tudo semelhante ao que era tradição fazer-se em músicas tradicionais de bailar, onde se dava algo semelhante a instruções dos passos de dança da música a quem quisesse dançar”.

O contacto musical de Carlos Peninha, músico e professor de educação musical no agrupamento de escolas de Mundão, surgiu aos 12 anos, quando a guitarra clássica tocada por amigos suscitou interesse ao então jovem Carlos Peninha. “Via-os a tocar e comecei a desenvolver esse gosto, depois foi uma questão de aos poucos aprender de forma autodidata a tocar guitarra”, explica o músico. As influências musicais durante a adolescência surgiram tanto de dentro como de fora do país. “Nos anos a seguir ao 25 de abril de 74, de fora de Portugal, ouvia músicos como os Rolling Stones, os Beatles ou o Carlos Santana, e de Portugal, ouvia muito Sérgio Godinho, Zeca Afonso ou José Mário Branco”, assume Carlos Peninha.
Em 1982, já com 20 anos, Carlos Peninha frequentou o Conservatório de Música do Aveiro, com passagens posteriores pelos correspondentes à escola de ensino musical especializado em Viseu e Porto assim como na Escola de Jazz do Porto. Em 1987, profissionalizou-se como professor de Educação Musical na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, área ligada à vertente de ensino aos mais jovens que mantém até hoje. As influências do Jazz levaram Carlos Peninha a cofundar, em 1986, o Quinteto de Jazz de Viseu, primeiro grupo musical da cidade ligado ao género musical.
O músico ficou encarregue do piano e da composição de parte do reportório do grupo. Ainda no final dos 80, Carlos Peninha foi o responsável pela realização das duas edições dos Encontros de Jazz de Viseu, eventos que contaram com nomes da região, mas também nacionais e internacionais.
Além da participação em concertos de projetos musicais e do ensino da música, Carlos Peninha colaborou em projetos teatrais, onde tocou guitarras e teclados. O esforço do músico nesta área em específico recaiu maioritariamente para a companhia teatral “Trigo Limpo Teatro ACERT”, onde dirigiu e compôs a parte musical de vários espetáculos e CDs da companhia desde 1994.
Em 2017, é lançado o álbum “Tocar o Chão”, primeiro projeto musical em nome próprio, gravado em CD, da autoria de Carlos Peninha, álbum que contou com a participação de músicos de Portugal, Moçambique e Espanha. As influências de jazz foram assim complementadas com uma musicalidade tradicional tanto portuguesa como africana. O segundo álbum do professor de educação musical sairia em 2019, intitulado “Ponto de Vista”. Com uma linha marcadamente influenciada pelo jazz, este álbum agrupou diversos temas criados em anos diferentes, que culminariam numa gravação final, no ano de lançamento do disco.

Feitura de um álbum

O álbum “Dispersos” apresenta-se deste modo como o terceiro álbum da autoria de Carlos Peninha, lançado digitalmente a 21 de março deste ano. À semelhança da criação antecessora, este álbum reuniu temas criados em décadas diferentes. A diferença, além das próprias composições musicais, está na forma como estas são agora apresentadas. “Ao contrário do álbum "Tocar o Chão", Dispersos não conta com voz a acompanhar quase todas as músicas com exceção de um caso específico, mas também o método de gravação e edição dos temas foi diferente, porque desta vez não ocorreu nenhuma regravação dos temas, como tinha sido feito em "Ponto de Vista", mas sim a sua remasterização de um modo digital”, explica Carlos Peninha. Para o músico, este álbum serve como um documento que regista a sua evolução ao longo do tempo, e estabelece um trajeto sonoro dos géneros musicais a que Carlos Peninha se foi dedicando durante três décadas. Em comunhão neste projeto estão temas como “Sorriso” e “Santiago”, gravados no final dos anos 90, assim como “As três pancadas” e “Tempo de Cerejas”, ambas as músicas criadas em 2020.

“Tempo de Cerejas” foi gravada à distância por cada um dos músicos durante o ano de 2020, e demonstra a adaptação feita à Covid-19 no meio cultural, mas acima de tudo no meio musical. “Desde que houve a pandemia, comecei a perceber que para partilhar música ou para partilhar o espaço musical com amigos, teria de ser feito num registo online”, explica o professor de educação musical. Foi desta necessidade de adaptação que surgiu, no ano passado, o projeto “Sessões (In)discretas”. Este projeto tem consistido, ao longo do último ano, na publicação de vídeos com música inédita de Carlos Peninha em plataformas digitais como o Youtube, tocada e filmada com a colaboração de músicos a partir da casa ou do estúdio de cada um. “Recentemente, um amigo que eu ainda nem conheci fisicamente e que é um músico de Viseu, chamado Cienta ‘O maquinista’, que publica música ligada à vertente eletrónica, contactou-me para utilizar parte de uma música minha, e desse contacto e de conversas que tivemos acabou por surgir uma música nova para um projeto dele que foi publicada no Spotify - "A distant shore" - e que é um bom exemplo de como a Covid-19 trouxe a necessidade de uma adaptação na música”, esclarece Carlos Peninha. A situação pandémica em Portugal, embora permita alguma adaptação nas atividades musicais de Carlos Peninha, da qual “Sessões (In)discretas” é exemplo disso, limita contudo a divulgação de projetos físicos musicais. O novo álbum do músico viseense encontra-se atualmente disponível em formato digital, e embora a intenção de Carlos Peninha seja criar uma versão física do álbum, a venda deste formato ao público assim como a apresentação física do álbum não têm ainda data certa.

Há primavera na música

A região de Viseu atravessa, segundo Carlos Peninha, algo que o próprio denomina de “Primavera Musical”, pelo “aumento da oferta de formação para músicos, que tem dado a possibilidade de aparecimento de novos talentos e de músicos mais jovens a fazerem coisas muito interessantes, e que tem contribuído para a criação de projetos musicais de interesse na região nas mais diversas vertentes musicais”. Mesmo nos mais jovens, como no caso dos alunos a quem tem lecionado, Carlos Peninha acredita que o público jovem está muito atento a tudo e que consegue absorver diversas musicalidades. “Embora existam coisas que influenciam muito os gostos das camadas mais jovens e que vêm muito da televisão e da rádio, por exemplo, onde se nota uma maior popularização junto dos jovens, que não são tão recetivos a projetos menos massificados, nomeadamente os jazzísticos, mesmo assim vou praticando alguns improvisos de música tradicional e de jazz nas minhas aulas com o intuito de despertar uma maior abertura musical dos meus alunos a todas as vertentes”, explica Carlos Peninha.

A participação do músico viseense em inúmeros projetos musicais de outros artistas, assim como em projetos teatrais atribuem a Carlos Peninha uma musicalidade múltipla, influenciada por diversos géneros. Todos os três álbuns de Carlos Peninha podem ser adquiridos em formato digital, e servem como convite aos ouvintes a explorar uma união entre a música tradicional portuguesa, ritmos com influência africana e uma presença de jazz que se manifesta ao longo das faixas criadas ao longo dos últimos 30 anos.