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De que modo é que um artista contemporâneo, um grupo tradicional de bombos e o último latoeiro de Viseu se conjugam num só projeto? Pedro Tudela respondeu a esta pergunta com uma exposição, intitulado “A Pele da Água”. Esta mostra foi inaugurada no dia 10 de fevereiro na galeria de arte contemporânea Venha a Nós a Boa Morte, no centro histórico de Viseu.
O projeto surge de uma residência artística de Pedro Tudela, natural de Viseu, que desde o dia 27 de dezembro tem procurado explorar o potencial dos Zés Pereiras de Vildemoinhos e a arte do latoeiro António Carvalho. O resultado final é uma obra tanto plástica como sonora que incluiu elementos de todos os intervenientes.
“Em Viseu há qualquer coisa que faz parte de um passado meu que já foi vivido. Com a conjugação desses diferentes dados, há coisas que começam a afunilar e a revelar de modo mais franco”, explicou Pedro Tudela. A preocupação ecológica é algo que o artista assume estar constantemente presente em qualquer trabalho, mas que se particulariza nas próprias memórias. A sua relação passada com Viseu e com as Cavalhadas de Vildemoinhos – das quais fazem parte os Zés Pereira de Vildemoinhos – estão ligadas a uma preocupação com a água.
“Eu lembro-me de haver problemas de falta de água”, continuou a explicar. “As Cavalhadas, que é uma coisa que acontece naturalmente, tem no corso uma génese que tem que ver com a água. Há uma série de personagens que encabeçam o corso e que remetem para um passado em que a água em Viseu era fornecida por uma área fora da cidade. Para ser fornecida, havia um agradecimento popular que está muito relacionado originalmente com as Cavalhadas”, esclareceu.
Aliados às memórias de Pedro Tudela relacionadas com o corso das Cavalhadas estão os Zés Pereiras e os seus bombos. “Lembro-me que era uma coisa em que se notava o esforço da ação em si e da performance”, continuou. O artista procurou assim gravar o som dos Zés Pereiras de Vildemoinhos, dentro de dois processos. Um prende-se com a incorporação dos sons dos bombos e das tarolas na instalação de “A Pele da Água”, através da manipulação e do “esculpir” desses mesmos registos sonoros. O segundo processo passou pela criação de novas melodias que pudessem ser interpretadas pelos Zés Pereiras em duas alturas. Uma no momento final da exposição e a segunda durante as Cavalhadas de Vildemoinhos.
“Há um som que existe e que está até visualmente associado a esta estrutura, desta estante industrial e que se propaga naturalmente pelo espaço. É resultado de sessões feitas com os Zés Pereiras, depois levado para estúdio e trabalhado”, explicou Pedro Tudela, apontando para uma das estantes da exposição. “Nesta textura, nesta malha que existe na exposição a nível sonoro, foram aproveitados vários ritmos gravados de um modo direto, tanto dentro do pavilhão como fora na rua.”
A ideia, afirmou o artista, é que “existem dois elementos que são respeitados: os bombos e os objetos feitos em folha de zinco”. Dentro da galeria Venha a Nós a Boa Morte, uma linha preta foi traçada na horizontal ao longo de todas as paredes, ao nível do olhar. O objetivo é, de acordo com Pedro Tudela, colocar o visitante numa posição em que está debaixo do nível da água, mas que ao mesmo tempo consegue ter uma perceção do que se passa acima deste nível. Já em relação aos contentores em folha de zinco produzidos pelo latoeiro António Carvalho, o interesse de Pedro Tudela prendeu-se ao “lado manual da construção”. “Há um mecanismo que é processado através da manipulação. Isso é muito importante, a construção da coisa feita à mão”, continuou.
A arte de manipular folhas de zinco
António Carvalho tem 89 anos e é o último latoeiro de Viseu. A sua oficina, localizadas nas traseiras da Sé de Viseu, exibe vários objetos e utensílios criados através da manipulação de diferentes tipos de metal. O mestre latoeiro começou a trabalhar desde que saiu da escola sem que tenha feito algum exame.
O trabalho com folhas de zinco de e a criação de objetos através deste metal só veio muito mais tarde. De entre os locais onde António Carvalho esteve presente, contam-se uma latoaria perto da Praça D. Duarte e uma oficina de pulverizadores de cobre. Só depois é que o ainda jovem António Carvalho se mudaria para a atual oficina, na altura propriedade de outra pessoa. Habituado a instalar caleiras, este trabalho teve de ser colocado de parte depois de António Carvalho desenvolver um problema de saúde aos 45 anos que o impedia de subir até aos telhados e instalar as caleiras.
Quem entrar na oficina de António Carvalho repara imediatamente no conjunto de utensílios como ladras para apanhar a fruta, assadores de castanhas e torradeiras feitas para se colocar no fogão ou sobre brasas. As lanternas com que se iluminava antigamente as ruas e casas são também exibidas na oficina. Este ofício foi desenvolvido de forma autodidata. Os clientes, explicou António Carvalho, levavam para a loja fotografias de objetos ou um exemplar e o mestre latoeiro tentava recriar as obras de metal. Os contentores em folha de zinco criados por António Carvalho são peças integrantes da exposição “A Pele da Água”, uma maneira de recordar este ofício que se encontra em risco de desaparecer.