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Joaquim Alexandre Rodrigues
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Jorge Marques
Dead Corporation é um dos nomes da história do rock de Viseu
O que motivou a criação deste documentário?
Ana Bento: O ponto de partida foi a recolha Viseu Demo Tapes brilhantemente estruturada e partilhada pela mão do Ricardo Ramos no bandcamp. Há muito se falava de todo aquele espólio com imenso potencial e que poderia ganhar outras formas, nomeadamente a de um documentário. Em conversas com o próprio Ricardo chegou-se a tentar avançar com a ideia com uma realizadora de Viseu, Francisca Marvão,só que apesar do entusiasmo, ficou sem disponibilidade para avançar e a própria incentivou-nos a encontrarmos outra pessoa. O Rui surgiu de imediato como possibilidade de realizador, sendo que ele próprio fez parte de bandas da época e ainda hoje continua estreitamente ligado aos movimentos rock e underground de Viseu.
Rui Mota Pinto: Quando a Ana me propôs avançar com a realização do documentário, aceitei de imediato, não só por ter feito parte desse universo, nos anos 90, mas também por acreditar que as bandas de Viseu e este movimento mereciam um tributo. Como também estudei cinema e é uma área onde me interessa continuar a desenvolver, encontrei aqui uma oportunidade de prestar esse tributo a partir do trabalho já iniciado pelo Ricardo Ramos em Viseu Demo Tapes.
Como foi feito o processo de recolha de informação?
Ana: Levou imenso tempo até tudo se concretizar, sempre com a equipa em contacto com o Ricardo Ramos que ajudou a mapear participantes, lugares, acontecimentos, e a apontar caminhos possíveis.
Organizámos os entrevistados em pequenos grupos com pessoas que tocaram juntas, ou pessoas que faziam rádio – um dos motores fundamentais deste movimento. Em paralelo foi sendo feita uma recolha de material vídeo, fotografias, flyers, cartazes. Foi importantíssima a colaboração de pessoas que passaram horas em casa à procura de coisas antiquíssimas e ainda a colaboração do Cine Clube de Viseu com a ajuda na digitalização de vários vídeos. Houve ainda o trabalho de se tentar catalogar devidamente todo esse material.
Houve histórias que gostariam de ter incluído, mas acabaram por ficar de fora?
Priscilla Fontoura: Algumas ficaram de fora, mas levanto o véu sobre uma delas: o que muitos festivaleiros veem à sua frente nem sempre corresponde ao que realmente acontece nos bastidores… E acho imensa piada a isso: desconstruir ideias românticas.
Quais foram os principais desafios na realização do documentário?
Rui: Desde construirmos uma narrativa fluída, dinâmica e atrevida até à criação de uma estética de motion graphic que fizesse sentido e reforçasse a narrativa. A recolha do material de arquivo também foi uma luta dura, mas foi um desafio que deu imenso gosto ao rever coisas da altura. Mais do que reunir esse material, a dificuldade foi conseguir datá-lo e localizá-lo correctamente.
Priscilla: Quando me deparei com o arquivo que já tinham “organizado”, percebi que havia material muito singular e importante, que podia tornar esta história mais simbólica e representativa da época e do género musical retratado. O maior desafio de todos foi o tempo limitado para transformar horas de material num documentário coeso, sustentado por um arquivo aparentemente inesgotável.
Como era o movimento musical em Viseu nessa altura, em comparação com outras cidades?
Ana: Estes movimentos são específicos de uma época e com características muito semelhantes entre si. A rádio como motor, as demo tapes como veículo, os ensaios e concertos como lugares de encontro e de ocupar o tempo…
Rui: Em Viseu naquela altura havia uma fome de fazer parte do movimento, de fazer parte de uma banda, conhecer as bandas, ir ver os concertos. Havia concertos nas escolas secundárias, havia alguns sítios que tinham concertos, mas que rapidamente deixavam de existir ou de o fazer e apareciam outros, mas poucos.
O Festival de Música Moderna e a programação do Viseu Naturalmente, que eram promovidos pela Câmara de Viseu, também foram importantes para alimentar essa fome. Depois havia ainda uma partilha incrível entre amigos que disponibilizavam cassetes, e claro o grande contributo da rádio e os radialistas que davam a conhecer as bandas.
Como é que se vivia o espírito do rock?
Priscilla: Encontrávamo-nos em concertos, ensaios e trocávamos cassetes, principalmente VHS de outras bandas, dos nossos próprios ensaios e de concertos. Havia uma ansiedade boa em esperar pelas VHS que chegavam pelo correio, com os ensaios de amigos e os concertos gravados.
O espírito era de “alguma” união entre quem fazia música, mas a presença feminina era escassa, sendo frequentemente limitada ao papel de vocalista e pouco mais. Algumas tribos eram mais inclusivas do que outras. Ainda assim, sinto muita nostalgia ao olhar para essa época, em que a vontade de fazer era muito maior do que a preocupação com o “como fazer”. Havia uma certa ingenuidade bonita nisso.
Uma das fases que considero mais interessantes e que não me recordo de existir, por exemplo, no Porto, foi a existência de festivais como o Viseu Naturalmente, onde qualquer banda ganhava um cheque que lhes permitia gravar um trabalho mais profissional.
A necessidade de entreajuda fortaleceu o movimento musical na época?
Priscilla: A ideia da entreajuda no meio musical é um pouco romantizada. Havia bandas que se ajudavam mutuamente, mas também existiam outras muito focadas em si mesmas. A minha análise é que algumas tinham um espírito mais saudável, sem olhar tanto para os fins, enquanto outras viam a cena musical como uma competição e levavam-se demasiado a sério.
Tive amigos bastante apoiantes, mas, quando dávamos concertos, nem todos estavam dispostos a partilhar o seu material, numa altura em que essa dificuldade era real. Muitos acreditam que, nas grandes cidades, havia mais oportunidades, mas, na prática, sempre que conhecia alguém de uma zona pequena, era comum encontrar quem tivesse uma sala de ensaios numa garagem e estivesse disposto a partilhar o espaço para uma jam ou algo do género. Já na cidade, o espírito era mais individualista, e isso continua a manifestar-se de outras formas, por exemplo, em produtoras que seguem certos critérios em detrimento de outros.
Eu acredito que o rock deve ter como premissa fundamental a democratização e a verdadeira união. Muitas vezes o movimento não se alimenta apenas da entreajuda entre bandas, mas de preferências que impulsionam outras engrenagens a funcionar.
Como foi reunir e revisitar memórias desses anos?
Ana: Não foi fácil, mas também não foi difícil. Depende da perspectiva. Houve várias pessoas prontas a tentar encontrar determinada memória, a tentar ajudar a situar essa memória… O Vaz Patto, o Pedro Sales, o Miguel Seixas, o Rocha, a Sandra Rodrigues… o próprio Ricardo Ramos, entre muitos outros…
Que impacto esperam que o documentário tenha?
Ana: Tenho um grande fascínio pela preservação da memória, da história, das histórias, da memória comum e como isso pode inspirar outras gerações. Senti logo nas filmagens esse impacto, quando via o Gamboa, um miúdo da idade que nós tínhamos na altura, a dar apoio técnico e a ouvir todas aquelas histórias fascinado e a fazer-nos perguntas no final de cada entrevista.
Priscilla: O impacto foi imediato quando percebi que tinha de editar e ajudar a construir algo sobre uma realidade que desconhecia por completo. Sabia pouco sobre a cena de Viseu e conhecia apenas algumas bandas de nome. É fundamental descentralizar não apenas as localidades, mas também as formas de pensar.
Houve algum momento das filmagens particularmente marcante ou emotivo?
Ana: A primeira entrevista que fizémos foi o momento mais marcante e emocionante. Tínhamos ali duas pessoas que pertenceram à primeira banda rock de Viseu, Os Tubarões, formados ainda nos anos 60! Mas eu e o Rui estivémos vários dias de volta daquela entrevista e o mínimo que conseguimos reduzir foi perto de 25 minutos de material. Não era possível num documentário com tanta pessoa entrevistada e tanto material reunido. Acabámos por decidir deixar a história d’Os Tubarões de fora e focarmo-nos nos movimentos dos anos 80 e 90. Esta decisão tomou-se com a intenção de, assim que possível, voltarmos àquele material para um episódio único e especial de uma história importante e fortíssima que foi a d’Os Tubarões.
O documentário destaca o espírito “do it yourself” que caracterizava as bandas da época?
Priscilla: É exactamente esse espírito que torna essas épocas tão marcantes e explica porque os revivalismos de subgéneros dentro do rock continuam tão vivos. Este documentário é um reflexo do espírito que se vive numa banda. Parto do princípio de que este documentário é um bom ponto de partida para outros trabalhos que possam surgir. Mais do que destacar o DIY, destaco o DIT – Do it Together, é disto que se trata.
Que bandas são retratadas neste documentário?
Ana: Bandas incríveis que surgiram nos anos 80 e 90 em Viseu, cada uma a desbravar caminhos à sua maneira, com influências diferentes, com recurso a estéticas e experimentalismos diferentes. Bandas que constituem uma riqueza brutal na cultura de uma geração e de uma cidade.
Priscilla: Ao longo do tempo em que trabalhei neste documentário, conheci bandas que merecem ser mais divulgadas e levadas a outras localidades. Mencionei muitos nomes que eram desconhecidos para pessoas do Porto: Major Alvega, Lucretia Divina, Bastardos do Cardeal, Dead Corporation, Smug, NoNo, Punny, TigerPicnic, bem como figuras marcantes como Jorge Humberto e José Valor. São muitas as bandas que surgem neste trabalho, e todas elas contribuíram para o histórico e o legado do rock, não apenas numa região, mas a nível nacional.