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A Esprodouro – Escola Profissional do Alto Douro inaugura na próxima segunda-feira (27 de janeiro) o hotel-residência que vai permitir alojar estudantes de fora da região. O espaço tem 17 quartos
e pode albergar 62 alunos. Com 150 formandos, a instituição de ensino localizada em São João da
Pesqueira tem procurado encontrar estratégias que continuem a valorizar o ensino profissional e
que garantam que os alunos saem preparados para o mercado de trabalho ou para prosseguir os
estudos. À frente da direção da escola desde 2018, Fernando Rodrigues falou nos desafios, nas ideias
e no ensino profissional no país
Vai ser inaugurado o hotel-residência. Que projeto é este?
É um projeto que nasce devido a um conjunto de mudanças. Em 2018, quando me convidaram para ir para a escola, a escola tinha cinco turmas e um orçamento muito débil, tínhamos aproximadamente 650 mil euros, para 590 mil euros de salários. Ou seja, não tínhamos dinheiro para pagar as contas e isso tinha a ver com o número de turmas, e a única opção era aumentar o número de turmas e projetos. Hoje temos 10 turmas, duplicámos a oferta formativa e crescemos em número de projetos.
Que projetos foram esses?
Revitalizámos o projeto Qualifica, revitalizámos os projetos locais, temos cursos de Educação e Formação de Adultos e candidatámo-nos agora aos Cursos de Especialização Tecnológica (CET) de nível 5. Fizemos protocolos com o Instituto Politécnico da Guarda, para formar as pessoas na região e depois terem possibilidade de progressão. E tudo isto faz parte de um projeto maior, porque a única forma que tínhamos para que a nossa instituição sobrevivesse era ter um orçamento que permitisse pagar as contas. Hoje temos um orçamento de aproximadamente dois milhões e 200 mil euros, é muito mais do que o triplo do que tínhamos. Mas isto também permitiu criar mais postos de trabalho, criámos aproximadamente 15 postos. E para nós é muito gratificante.
Foi o aumento de alunos que levou à criação do hotel-residência?
Na região não temos alunos e só tínhamos uma opção, virem alunos de outras regiões para a nossa escola. O que começámos a perceber era que todas as regiões atravessavam o mesmo problema. Foi então que encetámos um processo que foi trabalhado com o Governo para recebermos alunos estrangeiros, porque as empresas diziam-nos que tinham falta de mão de obra, os alunos que chegavam às escolas profissionais tinham um défice de formação académica e hoje temos um panorama diferente.
Há um ano, a escola falava em 60 por cento de alunos estrangeiros.
Ronda essa percentagem ou talvez mais. E há uma coisa interessante, quando começamos a captar alunos estrangeiros, e começamos pelos países de língua portuguesa, percebemos que o perfil de alunos que estava a chegar não tinha histórico no tipo de necessidades que tínhamos. Por exemplo, alunos de Cabo Verde que não têm histórico na cultura do vinho, a mesma coisa com a hotelaria e restauração, porque o tipo de restauração do Douro não é a mesma coisa de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e outros países.
Como deram a volta a esta questão?
Fizemos o trabalho ao contrário e fomos tentar perceber que países é que estão próximos das necessidades das nossas empresas. E esta é uma estratégia para este ano. Vamos estar no México reunidos com a Federação Gastronómica de Yucatán e eles próprios selecionam alunos que querem ser chefes de cozinha e cozinheiros. O México tem uma tradição de cultura de cozinha muito interessante. Na Colômbia fomos pela gastronomia e pelo serviço e na Argentina tem uma cultura vínica. Estamos a tentar trazer pessoas da Argentina para a área da viticultura, pessoas da Colúmbia, México e CPLP, sem centrar tudo num só país. Mas, quando começámos a receber alunos de fora da região ainda não tínhamos bolsas apoiadas pelo fundo financiado, assumimos as despesas da alimentação e a autarquia o alojamento.
E onde ficavam alojados?
Adaptaram-se casas e criaram-se residências. Mas, o problema é que os alunos são jovens, havia algumas queixas por causa do barulho, os custos de ter um segurança era grande, entretanto, os alunos foram financiados e isso mudou tudo. Enquanto agilizávamos, os alunos ficaram na Quinta de Santa Bárbara, um edifício cedido pelo Ministério da Agricultura, mas ficavam um pouco longe. E foi aqui que tivemos mesmo que encontrar uma solução ou construía-se uma vila no campo de futebol, num terreno que a autarquia nos cedeu, ou adquiríamos um hotel que estava fechado há três anos e que não se perspetivava que alguém o fosse adquirir. Pegámos nele para ser a residência dos nossos estudantes, mas com a ideia futura de podermos criar a tal vila e poderem ser eles a gerir o hotel.
Um hotel que estaria aberto à comunidade?
Sim, a ideia é essa. A ideia é que sejam os alunos a gerir o espaço, mas é um projeto de médio prazo e por isso é que ainda lhe chamamos hotel-residência. E também o chamamos assim porque nos estamos a recebê-los com se fosse mesmo um hotel. O pequeno-almoço é servido e lavamos a roupa, apenas têm que passar. E decidimos dar o pequeno-almoço e tratar da roupa porque começamos a perceber que os hábitos de higiene e alimentação eram diferentes entre alunos e não queríamos isso. Há também a vontade de remodelar a escola… Tivemos um Centro Tecnológico Especializado aprovado e, neste momento, temos um problema grave que estamos a tentar resolver com o Ministério da Educação e com o município. Candidatámos em 2022, mas o preço, hoje, em 2025, mais do que triplicou. Na altura, eram 600€ por metro quadrado e hoje está, em média, a 1500€. Mas estamos a tentar e não vamos desistir, porque ter uma escola digna é a peça que falta.
Que principais alterações vai permitir este Centro Tecnológico?
A escola muda para um laboratório. Vamos destruir as salas de aula como estão e vão virar laboratórios. Atualmente, os alunos têm aulas de cozinha no refeitório da escola, e no projeto que temos passa a haver duas salas com bancadas de cozinha, onde o professor vai estar a explicar e os alunos a executar. E assim evitamos que apenas dois ou três alunos possam executar. Mas, enquanto não temos o dinheiro já inventámos umas coisas. Temos um modelo pedagógico único em Portugal e este ano estamos em piloto.
Que modelo pedagógico é este?
Temos as FTE (Formação Tecnológica) e as AE (Aprendizagens essenciais em empresa). As AE são, por exemplo, o português, a matemática, inglês, disciplinas da sociocultural e científica e 25% dessas disciplinas são feitas na empresa. Ou seja, para que serve Camões na empresa, para que serve a matemática na empresa? Para um aluno de cozinha serve para uma coisa e a um aluno de eletrónica vai servir para outra. E as FTE são todas as disciplinas técnicas, como fazer molhos, sopas, instalações elétricas, um comunicado de imprensa. Com o novo modelo, têm 25% dessas aulas em escola e 80% são nas empresas.
E como funciona este modelo?
Pedimos às empresas, por protocolo, que ajudem nessa formação aos nossos alunos e o formador passa a ter outras tarefas. Até aqui, o formador recebia o valor das horas que dava, mas uns aprendiam e outros não. Agora, o formador está na mesma e caso eles não aprendam tem que lhes ensinar.
E qual é a recetividade das empresas?
As empresas acabam por ter um custo com os alunos, com o pagamento de uma bolsa e assim também podem exigir mais. E, de alguma forma, a chegada deles às empresas e com o acompanhamento de um formador também pode ser benéfico para a empresa. O nossgrande objetivo é dar qualidade de formação aos alunos. Temos como visão ter 25% dos alunos como referências nacionais, a médio prazo. Queremos alunos que vão ser chefes com estrela Michelin, que vão ser chefes principais de restaurantes e hotéis, que vão ter bares, que vão criar a sua empresa de eletrónica e que sejam referência nessas áreas. Queremos alunos que sejam agentes catalisadores da sociedade, este é o grande desafio.
Esta adaptação da forma de ensino é uma mais-valia para as escolas profissionais em relação às restantes?
Nós regemo-nos todos pela mesma lei, a grande diferença é que as pessoas olham para ela de forma diferente. Por exemplo, a componente que vamos fazer agora nas empresas, há escolas que não querem isto, porque dá trabalho e é mais simples ter tudo dentro das escolas. Todos os anos, desde 2018, mudamos o nosso projeto educativo, o que funciona mantém-se e o que não funciona muda-se. Queremos alunos que saiam daqui e possam ir para o mercado de trabalho, para as universidades, a saberem as coisas. Os alunos não podem sair daqui certificados, mas depois não sabem fazer nada, não posso permitir isso. Nós somos uma escola profissional, não vamos ter os mesmos resultados que uma escola com um percurso cientifico-humanístico, mas nós temos que olhar para o ensino como um percurso e fico irritado quando se fala em ensino irregular. O que existe é percursos: o percurso cientifico-humanístico, o percurso profissional e o percurso de ensino artístico especializado. Há vários percursos e o percurso profissional é legitimo para quem quer escolher uma carreira.
O ensino profissional é menorizado?
Continua a ser e os principais responsáveis são as escolas dos percursos tradicionais. As próprias escolas passam a mensagem, só os alunos que não são bons ali é que vão para uma escola profissional e isto é um erro. Os alunos têm que escolher o que quiserem, não têm que ir obrigatoriamente para a universidade, por exemplo. Isto cria uma ilusão errada, porque quando terminar a licenciatura percebe que não era nada daquilo que queria. E é muito preocupante que mantenham alunos num percurso direcionado para o ensino superior, quando já sabem que não é o percurso mais indicado.
Como se poderia mudar isto?
Eu defendo que os centros de encaminhamento de alunos não devem estar dentro das escolas, porque se as escolas são financiadas por alunos, é normal que as escolas tentem reter o máximo dos seus alunos e isso faz com que o próprio aluno não faça o percurso que quer. Defendo, e tenho recomendado à Ordem dos Psicólogos, que a parte de orientação vocacional deve ser independente. Acho que deveria estar ligada à saúde, nos centros de saúde, por exemplo, porque o nosso foco tem que ser na pessoa e não no que nos dá jeito politicamente. Defendo há muitos anos a existência de um psicólogo de família, se existe o médico e o enfermeiro, também deveria existir este profissional, por que teria um maior acompanhamento da família e prevenia-se muita coisa.
Um estudo revelou que 20% dos alunos do ensino profissional não seguem para o ensino superior. O que querem dizer estes números?
Que não se analisou tudo, porque os alunos que saíram do ensino cientifico-humanístico também não vão todos para a universidade. Há uma meta europeia de 55% dos alunos no ensino profissional, e Portugal continua a rejeitar este percurso, mas acho que é por desinformação. Há uma coisa que nós temos e que disponibilizamos aos nossos alunos assim que entram na escola, que é o coordenador de futuro.
O que é esse coordenador de futuro?
Quando o aluno entra ele assina o seu contrato de sonho, onde dizem o sonho que têm. Depois perante este contrato, vamos direcionando e mostrando quais as melhores opções para conseguirem chegar ao sonho. Os nossos alunos não são uma turma, são uma pessoa, porque cada um é diferente.
Quantos alunos existem atualmente na escola?
São 150 alunos, mas também não queremos mais de 200. Até poderíamos ter mais turmas, mas não queremos mais, mas também não queremos esgotar o agrupamento de escolas porque todos os ensinos têm que funcionar. E eu sou defensor de uma coisa que, na minha opinião, mudaria tudo e também irei transmitir ao Ministro da Educação. As escolas deveriam ser financiadas com turmas, se têm mais ou menos alunos isso é avaliado pela qualidade de ensino e se quiserem fechar fecham, se não quiserem não fecham. O modelo atual potencia o “roubo” de alunos e leva muitas escolas a manter alunos mesmos que tenham comportamentos errados.
Que outros recados vai aproveitar para dar ao ministro?
O ministério chama-se Educação, Ciência e Inovação e eu gostava que existisse, de facto, um esforço muito grande para que essas palavras existissem em todas as escolas. Acredito que o senhor ministro vai compreender que escolas como a nossa precisam de um reforço financeiro diferente para poder dar um serviço ainda melhor e catalisar a região onde se encontra. E, por outro lado, outras que estão cheias de alunos poderiam ter menos e serem redistribuídos. Por exemplo, temos muitos alunos estrangeiros que chegam à nossa escola e querem acabar o curso para ir para Lisboa, porque acham que lá é que encontram trabalho e recebem mais, mas não é necessariamente o sítio onde vão ter melhores condições de vida. No nosso caso, se a nossa escola fechasse, não era só a escola era também toda a dinâmica à nossa volta. Outra coisa que acho injusto é que escolas como a nossa tenham que pagar os manuais e as outras não, quando todos estamos a fazer serviço público e gratuito de educação.
Qual é a oferta formativa que disponibilizam?
Temos cozinha, pastelaria e restaurante-bar que já estão em resultados de aprendizagem. E o que é isto, é um modelo em que os alunos deixam de ter conteúdos teóricos e é domínio prático, e este modelo vai passar a ser feito em todo o ensino profissional no próximo ano letivo. Temos ainda comunicação e serviço digital, porque é preciso saber fazer vinho, mas também é preciso saber vendê-lo. Temos eletrónica, automação e computadores, que tem a ver com todos os sistemas de automatização das vinhas, das adegas, dos hotéis e ainda o curso de vitivinícola. Todos os cursos foram pensados para as necessidades da região e assumimo-nos como uma escola especializada em enogastronomia.
Qual é a taxa de empregabilidade?
Estamos a rondar os 90%, seja para mercado de trabalho ou ensino superior. Mas um aluno que vá para o estrangeiro não entra nesta taxa de empregabilidade, mesmo estando no mercado de trabalho. Os outros 10% têm empregos informais e outros nem trabalham nem estudam. E estes “nem-nem” são mais frequentes no ensino humanitário-científico, do que no profissional. E isso é que deveria ser avaliado.
Falamos nos jovens, mas também têm o Centro de Aprendizagem ao Longo da Vida.
Temos a oferta de jovens, mas também estamos a apostar muito nos adultos, e por isso temos um Centro Qualifica, que faz o reconhecimento e validação de competências, temos projetos locais que são para pessoas com baixa escolaridade e temos os cursos de nível 5. Temos, por exemplo, o primeiro Curso Técnico Superior Profissional em Enogastromia a nível nacional e temos cursos para a parte de gestão hoteleira. O meu sonho é ter a Universidade Sénior dentro da nossa escola, porque queremos que todos as pessoas, a partir dos 18 anos, sejam o nosso alvo no Centro de Aprendizagem ao Longo da Vida. O processo de aprendizagem tem que continuar, inclusive para além da idade de reforma.
Que desafios tem a Esprodouro e o ensino profissional nos próximos anos?
Um dos grandes desafios é o financiamento, o ensino profissional precisa de um reforço no financiamento. O valor deveria ser pago não por turma, como atualmente, mas por escola. E deveria ser o próprio ministério a encaminhar alunos, percebendo as regiões com mais fragilidades em termos de alunos. Outra coisa é a adaptação do ensino aos tempos e está a fazer-se isso de forma muito lenta.