António Carneiro

17 de 04 de 2024, 13:32

Colunistas

“Qual o preço de uma raspadinha?”

Habitualmente, o comportamento individual e a sua relação com o jogo, quando patológicas, demonstram-se através de uma preocupação excessiva com o jogo ou com a necessidade de obter meios económicos para jogar

Em Portugal, estima-se que mais de 60 mil pessoas joguem à “raspadinha” diariamente. São inúmeras as opções que o cidadão tem caso deseje gastar o seu dinheiro numa lotaria instantânea. A promessa de um ganho imediato, publicitada nos meios de comunicação social, com baixo custo de investimento e fácil acesso, ilude uma percentagem significativa de cidadãos.
De acordo com um estudo realizado por um grupo de psiquiatras da Universidade do Minho em parceria com o Conselho Económico Social, o jogo constitui um problema crescente de saúde pública. Afigura-se o perfil de jogador comum de “raspadinha” como uma pessoa com baixos rendimentos, escolaridade baixa e na terceira idade. Existe também uma associação entre o consumo de substâncias, como o tabaco, álcool e café, com a frequência de jogo. A depressão e ansiedade também parecem estar relacionadas com o jogo da “raspadinha”.
Habitualmente, o comportamento individual e a sua relação com o jogo, quando patológicas, demonstram-se através de uma preocupação excessiva com o jogo ou com a necessidade de obter meios económicos para jogar. De forma progressiva, o jogo passa a envolver quantidades cada vez maiores de dinheiro, ou a pessoa passa a despender cada vez mais tempo com esta atividade, mostrando maior inquietude e irritabilidade se não o puder fazer. Quando perde, regressa nos dias seguintes com a justificação de recuperar o investimento, sacrificando montantes cada vez maiores, e por vezes a sua atividade profissional e vida pessoal. Em situações mais graves, esta pessoa afunda-se em dívidas e em problemas legais, sociais e familiares, podendo apesar de todas estas ocorrências, continuar a jogar. Daqui, é fácil depreender, que tudo se assemelha a um vício como outro qualquer, só que não existe uma “substância” propriamente dita, que seja consumida.
O jogo constitui uma importante fonte de receita económica para o Estado. É regulamentado por leis específicas e explorado por uma entidade que visa o bem-estar social, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, tendo esta a exclusividade de o fazer em nome e por conta do Estado, em todo o país. Espera-se que esta entidade, através do seu Departamento de Jogos, promova uma utilização e um consumo responsáveis destes produtos, algo que acontece ainda de forma insuficiente. A tendência será, não se intensificando a intervenção neste âmbito, que este tipo de comportamentos se estenda a faixas etárias cada vez mais jovens, mais frágeis e menos preparadas psicologicamente, pois ainda não atingiram a maturidade cerebral que lhes permita ter o autocontrolo necessário para lidar devidamente com estes estímulos.
Portanto, é de extrema importância compreender esta problemática do jogo em Portugal e promover atividades em contexto lúdico-educativo e comunitário que possibilitem o aumento da literacia nos grupos considerados de risco, assim como uma regulamentação de práticas de jogo restritas e uma política de redução de riscos adequada.
Para aqueles/as que sofrem desta problemática, familiares e amigos/as, é fundamental que saibam que a Equipa de Saúde Familiar é de confiança, e a quem podem recorrer quando necessitarem de ajuda para lidar com um problema de adição, podendo encaminhar para consultas especializadas e pluriprofissionais.
O Centro de Respostas Integradas (CRI) Viseu, possui uma equipa dedicada a esta problemática podendo a consulta neste centro ser solicitada por médico/a de família e até pela própria pessoa, presencial ou telefonicamente.
Parar com os comportamentos aditivos começa e finaliza na sua vontade!
Mas pode contar com a ajuda de profissionais de saúde com qualificação para o efeito.



António Dias Carneiro - Médico IFE em Medicina Geral e Familiar na USF Viriato, em colaboração com a UCC Viseense