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21 de 04 de 2024, 14:00

Cultura

Ritual de Domingo com rituais para o futuro e para colocar a criação artística de Viseu na Europa

São propostas artísticas para um futuro local, mas global. Há estreias, formação e renovação. Há uma programação com histórias da ferrovia, da matança do porco e dos jornais que não se deitam fora

Ritual de Domingo_Leonor Barata_Sónia Barbosa_Cristóvão Cunha

Cinco novas criações, cinco níveis de envolvimento artístico, cinco novas dramaturgias e um leque de atividades pedagógicas para ver e participar durante um ano. Estas são as propostas da companhia Ritual de Domingo que quer colocar a criação artística de Viseu na Europa, apostar na formação e na renovação. São “Rituais para o Futuro” que começam a ser desenhados já em abril.

A programação assenta em cinco núcleos de atividades que, para a direção da companhia, projetam a visão da associação para “um futuro de novas lógicas, em Viseu, no país e no mundo”. São eles: a ligação ao meio, o pensamento artístico inovador com base na investigação e dramaturgias universais, a atenção à formação, a renovação do tecido artístico e o fortalecimento de redes colaborativas nacionais e internacionais.

“Esta é uma estratégia de estar em Viseu a trabalhar o território local, inserir projetos regionais numa dinâmica de circulação nacional, sem perder de vista o território europeu, de que Viseu também faz parte”, resume Cristóvão Cunha.

A programação começa já este mês com o projeto “O meu amor virá de comboio”, uma peça que se reinventa cinco anos depois de ter começado a percorrer o país. Com novas histórias e novo elenco, o espetáculo é o resultado da recolha de memórias do caminho de ferro (ler texto nesta página).

Em maio, surge a segunda edição de “Sangue Novo”, um projeto que assenta na relação com o ensino e na mentoria de produções. “É o momento em que os novos agentes culturais apresentam as suas obras com a orientação e tutoria da Ritual”, esclarece Sónia Barbosa. Em 2023 foram apresentadas três peças originais apresentadas. “Pretendemos renovar a atividade, proporcionando aos estagiários que, entretanto receberemos, esta possibilidade de se apresentarem publicamente e de lançarem as suas carreiras artísticas”, acrescenta a encenadora. No âmbito da formação, estão ainda previstas sete oficinas teatrais a decorrer no Círculo de Criação Contemporânea, antiga incubadora de Viseu.

E em novembro estreia a nova criação da Ritual de Domingo. “A matança do porco do pai” é o nome da peça com dramaturgia original e encenação de Sónia Barbosa e que, como o nome indica, pega numa tradição para explorar o lado familiar, mas também a dimensão política e o conceito de família. “É algo que gosto de explorar”, confessa Sónia Barbosa. A partir do estudo sobre as práticas da matança do porco na década de 1980, “estamos a trazer para esta dimensão a herança cultural com o atual paradigma social e cultural, no que concerne a relação com a violência, com rituais coletivos das comunidades, os papéis de autoridade, entre outras questões”, salienta.

A peça tem estreia em Carregal do Sal e o projeto de criação vai surgir de um percurso de residências artísticas com o envolvimento das comunidades locais.

Já com estreia para fevereiro de 2025, “Onde estavas quando leste o primeiro jornal” é a nova criação com conceito de Cristóvão Cunha e encenação de Sónia Barbosa com foco no jornalismo. O processo criativo começa pela leitura do arquivo de jornais que o encenador colecionou e guardou desde 1996 para, através de notícias relevantes que invoquem grandes acontecimentos em Portugal e no mundo, em conversa com jornalistas da região de Viseu falar de jornalismo fora dos grandes centos, da importância da informação e do futuro da profissão.

À linha do Dão, juntou-se o ramal do Vouga e “O meu amor virá de comboio” nos próximos dias em Viseu
“O Meu amor virá de comboio” e, agora, pela linha do Vouguinha. O espetáculo teatral da companhia Ritual de Domingo, que se estreou há cinco anos, regressa com novo elenco e com paragens em mais “estações e apeadeiros”. Arranca a 23 de abril em Viseu e chega ao destino no dia 28 com uma grande festa na Associação Cultural e Recreativa de Bodiosa. Até lá tem paragens em Abraveses e Campo.

Há cinco anos, quando a peça estreou, o fio condutor era a Linha do Dão e o objetivo o de recuperar, incentivar e desenvolver a curiosidade pelos comboios e pela ferrovia. Agora, o objetivo continua o mesmo, mas acrescenta-se o “ramal do Vouga” e acrescentam-se as histórias do Vouguinha que fizeram esta linha que ligava Viseu a Aveiro. E há várias que podem ser lidas no livro “No centro da linha” que acompanha o espetáculo e é entregue ao público. “Experiências pessoais que ficam para a memória coletiva”, como explicou Cristóvão Cunha da direção da Ritual de Domingo.

É o exemplo da história do ex-ferroviário António Lourenço que, depois do 25 de Abril, acabou a trabalhar na CP porque se recusou a ir para a GNR. O ex-enfermeiro militar, de Silgueiros, conta que quando entrou na CP ganhava 180 escudos e deixa ainda a memória do dia em que salvou a vida de uma mulher que por “lhe ter dado qualquer coisa no coração” ficou caída nos carris.

Também Álvaro Lages Rodrigues tem experiências pessoais para deixar em memória coletiva. Trabalhou em muitas linhas entre 1975 e 2011. Para o ex-ferroviário, “o caminho- -de-ferro é bonito” e “cidades que têm caminho-de-ferro são umas cidades desenvolvidas”.

São as histórias dos trabalhadores e esta literatura de viagem que fazem o projeto “O Meu amor virá de comboio”, um espetáculo que à boleia de um modelo de comboio à escala parte à descoberta da ferrovia, num fio de memória que desvenda outras histórias.

“O espetáculo pretende recuperar, incentivar e desenvolver a curiosidade pelos comboios e pelo imaginário da ferrovia, aliando a aproximação ao contexto do modelismo. Para além de chamar a atenção para um meio de transporte mais sustentável, num momento determinante para a defesa do ambiente. O projeto foi recentemente criado a partir de histórias e pessoas do distrito de Viseu, mas prevê-se a circulação por outras cidades e localidades portuguesas, sobretudo com forte ligação identitária ao contexto ferroviário”, explica a direção da companhia. Depois de várias viagens pelo país, 29 espetáculos e cinco anos depois, o regresso a Viseu faz-se, então, com a Linha do Dão e o ramal do Vouga.

O cenário, da autoria de Ana Limpinho, é um modelo de comboio à escala montado em antigas malas de cartão, que serpenteia por entre túneis, montes, casas e estações. A encenação e dramaturgia é de Sónia Barbosa e a interpretação de Hugo Inácio e Mariana Veloso.

Os três primeiros espetáculos, a 23 e 24 de abril, são para a comunidade escolar e apresentados no Círculo de Criação Contemporânea de Viseu. Seguem-se as apresentações na Casa do Povo de Abraveses (26 de abril), na Associação de Moselos (27 de abril) e na ARDCOB - Associação Recreativa Desportiva e Cultural de Oliveira de Baixo, a 28 de abril.