Geral

14 de 04 de 2021, 13:27

Diário

Em vez de um obituário, um manifesto!*

O que fazer do legado de António Almeida Henriques em Viseu?

Jorge Sobrado

“Para chorar é sempre tempo. (…) Vai prestar-lhe as honras que lhe deves.”
(António Ferreira, “Castro”).

O que aqui proponho, com a clareza que o tempo de crise impõe, parte de dois pressupostos.
O primeiro é o de que o legado de António Almeida Henriques, enquanto presidente da Câmara Municipal de Viseu (2013/2021), merece ser defendido, valorizado e criticamente reinterpretado.
O segundo é o de que não sou representante oficial de ninguém, e tão pouco do antigo presidente de Câmara, de quem fui porém colaborador durante quase 10 anos. Fui testemunha, colaborador próximo e ator. Não falo senão em nome próprio.

Assentes estes pontos prévios, considero que é de relevar as seguintes três dimensões no legado da ação pública, brutalmente interrompida, de António Almeida Henriques em Viseu:
Governação participativa e conectada em redes de influência;
Desenvolvimento económico e marketing territorial;
Políticas de modernidade na Cultura e Património.

“Pôr Viseu no mapa” foi mais do que um slogan e excedeu a sedução por uma máquina mediática a operar em (e sobre) Viseu. Foi um desígnio de reposicionamento estratégico da cidade para dentro e para fora, manifestando-se de um modo transversal: da atração de atividades empresariais tecnológicas e de Saúde à promoção do crescimento turístico; da dinâmica cultural à radicação de talentos de diferentes disciplinas artísticas; da adoção de políticas patrimoniais, materiais e imateriais, de referência a uma cultura de governação tolerante, aberta à comunidade e participativa.

Os discursos protocolares devem agora dar lugar à realização programática. A valorização de um legado público como este passa, quanto a mim, por três eixos fundamentais de intervenção: o nome, o pensamento e a ação.

No plano do “nome”, importa promover o reconhecimento e uma memória. Exprimem esse objetivo iniciativas como a que amanhã proponho na Câmara Municipal para a atribuição do nome de António Almeida Henriques ao Polo Arqueológico de Viseu. Há um evidente ganho mútuo: associa-se um serviço de património inovador e de excelência ao seu autor, que o honra, e defende-se o futuro desse serviço por via do dever de memória. A atribuição do “Viriato de Ouro” (a mais elevada condecoração municipal), o lançamento de um prémio sobre projetos de “smart cities” (temática da ação política do antigo Presidente), a publicação do Dicionário das Figuras Viseenses (para quem amava Viseu como ele) ou a atribuição do seu nome à Orquestra Juvenil de Viseu (cuja criação patrocinou) são outros exemplos.

No plano do “pensamento”, trata-se de prolongar as linhas estruturantes e mais distintivas do discurso de António Almeida Henriques. Brevemente, será lançado um livro que colige textos de opinião do antigo autarca, mas a essa publicação poderão ser associados projetos como um think tank sobre Viseu, uma academia de poder local, ciclos de conferências ou futuras edições de fóruns e orçamentos participativos, nos quais a sua ação foi seminal e transformadora.

No plano da “ação”, há amplo território a explorar, designadamente na evolução de programas de humanização e democratização da cultura e das artes, da educação, da saúde pública e do emprego. A edificação de um “centro de criação artística” local, a promoção de emprego inclusivo na área da deficiência, a extensão e capacitação do “VISEU EDUCA” (com um programa voltado para a promoção da Saúde Pública), a execução do VISEU ARENA e o aprofundamento e diversificação da atividade da VISEU MARCA (abrindo o seu capital à participação intermunicipal) ou a adoção de um programa mais articulado entre as vertentes de classificação e reabilitação de património local, são exemplos de medidas de ação que honram e estendem este legado.

A responsabilidade de gerir esta herança cabe, em primeira instância, ao município de Viseu e ao seu “executivo”, mobilizando outras instituições locais, intermunicipais e regionais, e aos partidos da moderna social-democracia, a começar no PSD de Viseu, que não deve fazer letra morta do programa que levantou como bandeira em anteriores eleições autárquicas. Cada um deve assumir as suas responsabilidades. Eu não deixarei de interpretar as que me caibam.

* Quem considere este título irreverente ou inapropriado para falar de António Almeida Henriques, desconhecia-lhe a liberdade de pensamento e frescura do humor.

Jorge Sobrado - Vereador do Município de Viseu. Antigo assessor e adjunto de António Almeida Henriques.