Micaela Costa

16 de 07 de 2021, 19:07

Diário

O ensino e a pandemia: O que se "aprendeu" e quais os desafios para o novo ano letivo

Próximo ano vai ser preparado com os mesmos critérios de contingência. Um dos desafios será colmatar falhas na aquisição de competências. Pandemia trouxe à discussão a remodelação dos planos curriculares

Escolas Covid

Os últimos quase dois anos foram de verdadeira reviravolta para o ensino. Uma pandemia que atirou mais de um milhão de alunos para casa e que obrigou a reorganizar métodos de ensino e adaptá-los à realidade de muitas famílias.

O que terá feito a pandemia ao ensino? Que conclusões se tiraram deste ano que agora terminou? Como será o próximo? Para encontrar as respostas conversámos com Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE).

Começamos pelo novo ano letivo, que arranca entre 14 a 17 de setembro, que para o dirigente da ANDE, “tanto quanto é possível prever, não vai ser muito diferente daquele que agora terminou”.
“A pandemia está aí e vamos preparar o ano baseados nos mesmos critérios de contingência com que preparamos o ano letivo que agora terminou. Vamos começar em setembro com as mesmas preocupações que tivemos em setembro de 2020. No fundo, o próximo ano é a repetição daquilo que fizemos este ano”, assegura Manuel Pereira.

Para o também diretor do Agrupamento de Escolas General Serpa Pinto, em Cinfães, foi possível tirar algumas conclusões destes quase dois anos de ensino em tempo de pandemia. Uma delas é que “as novas tecnologias são muito importantes mas não substituem nunca a presença dos alunos na escola”.

“As novas tecnologias são instrumentos úteis, podem e devem ser utilizados, mas não são a resposta, são uma resposta, uma estratégia que pode ajudar em algumas circunstâncias”, alerta.

Aliás, assegura Manuel Pereira, as tecnologias continuarão a ser valorizados, até porque a pandemia acabou por ajudar a resolver o problema da escassez de meios informáticos nas escolas.

“Vamos continuar a dar muita importância aos meios informáticos, sendo que a qualquer momento pode ser necessário encontrar soluções mistas de alunos em casa e na escola. Até porque as escolas passaram a ter mais computadores, praticamente todas têm computadores suficientes para quase todos os professores e alunos, o que não tínhamos até agora e que já andávamos a pedir há muito tempo”, explica.

Outra das coisas que se aprendeu, desabafa Manuel pereira, “é que é preciso uma pandemia para que muitos encarregados de educação e a comunidade em geral valorizassem mais a escola e o trabalho dos seus profissionais”.

“Sentimos que todos que neste momento de pandemia a escola foi mais valorizada, assim como o trabalho dos professores e isso também é positivo”.


Terá a pandemia prejudicado os alunos na aquisição de competências?
Uma das preocupações para o novo ano letivo é colmatar as possíveis falhas na aquisição de competências em termos pedagógicos, sobretudo nos alunos mais novos.

“Em termos pedagógicos há muitas questões que estão por resolver, nomeadamente nos alunos mais novos. Os do 1º ciclo [do ensino básico] foram extremamente prejudicados com os sucessivos confinamentos. As aprendizagens da leitura e escrita requerem tempo, trabalho e repetição constante. E claro que não houve a possibilidade de os acompanhar como acontecia em anos dito normais, nomeadamente nos alunos mais novos”, frisou o presidente da ANDE.
Manuel Pereira acredita que a pandemia veio novamente mostrar as diferentes realidades sociais do país.

“Com este tipo de ensino à distância, as crianças que tiveram o apoio dos encarregados de educação em casa, que tinham todas as condições necessárias, conseguiram de alguma forma não perder muitas das competências que eram esperadas, mas há uma enorme quantidade de alunos que não tiveram os mesmos meios e ajudas para poder trabalhar e consolidar competências nas áreas da leitura, escrita e aritmética. Esses alunos vão precisar de muito mais apoio para tentar rapidamente recuperar muito do que se perdeu”, defende.

Segundo Manuel Pereira, “já neste ano que terminou, muitas escolas apontaram os recursos disponíveis no sentido de apoiar os dois primeiros anos do primeiro ciclo”. “E a verdade é que no próximo ano vamos ter que trabalhar o terceiro ano, praticamente todo o ensino primário vai precisar de um apoio extraordinário. Em outros anos também, mas claro que os mais velhos vão conseguindo ter autonomia para recuperar o que possam ter perdido, mas os mais novos não e as escolas vão ter um trabalho acrescido para tentar ajudar a recuperar muitas dessas competências”, acrescentou.

Para ajudar a colmatar estas dificuldades, “o Ministério [da Educação], nos planos de recuperação de aprendizagem, está a incentivar que cada escola crie e construa um plano de recuperação. E é isso que as escolas vão fazer agora para porem em prática no próximo ano”, concluiu.


Escola como espaço de socialização e os planos curriculares que é preciso mudar
Apesar de reconhecer que muitos alunos saíram prejudicados no plano da aquisição de competências, Manuel Pereira afirma que “haverá tempo para recuperar essas aprendizagens”, até porque uma das outras conclusões é que “é urgente uma reorganização curricular”.

“Muitas competências curriculares, que estão definidas, não foram trabalhadas mas também não há problema, podem adquiri-las depois. É tempo de perceber que é preciso reestruturar alguns dos currículos do ensino básico e secundário. Os alunos têm uma vida extremamente carregada, horas de trabalho a mais, cargas curriculares a mais e se calhar uma das lições do tempo da pandemia é que é preciso com urgência uma reorganização curricular”, afirma.

Manuel Pereira acredita que em tudo há que tirar o bom e o mau e no caso da pandemia, se por um lado trouxe conclusões interessantes, por outro trouxe o que acredita ser “o maior prejuízo para os alunos”: perder um dos mais importantes espaços de socialização, a escola.

“A pandemia é terrível para todos em especial para as crianças e jovens que perderam um espaço de socialização tão importante que é a escola. Talvez seja este o maior prejuízo. Muitos alunos ficaram em bolhas, fechados em casa, agarrados aos computadores e telemóveis e isso é mau em termos de socialização”, lembra.

Para o dirigente, “a escola é o último espaço de socialização. E se se perde este espaço criam-se pessoas fechadas e com grandes dificuldades de socialização. Estes tempos fizeram-nos perceber, ainda mais, a importância do apoio socioeconómico às famílias, do apoio psicológico. Vimos situações que em tempos “normais” não víamos”, conclui.