Carlos Eduardo

04 de 05 de 2024, 11:00

Diário

''O humanismo tem de ser defendido. Talvez hoje mais do que nunca''

Olhar o outro. Saber ver, importar-se, não ser indiferente. É com esta filosofia que António Goes Madeira está na vida. A assinalar 80 anos de idade, dirige o Rotary Club de Viseu até junho. A instituição festeja 90 anos de serviço à comunidade. O presidente dos rotários de Viseu vê no projeto da Universidade Sénior um dos pontos altos da instituição que caminha para o centenário

antonio goes madeira rotary club de viseu

Fotógrafo: Jornal do Centro

Foi eleito pela primeira vez presidente do Rotary Club de Viseu em 1989. Faz agora 35 anos. Agora lidera-o de novo. Que sociedade era essa? E que valores o norteavam?
Quando nasci, o meu pai já era rotário. Foi rotário até ao dia em que faleceu. Eu entrei no Rotary Club de Viseu, poucos meses depois da morte do meu pai. Fui educado nos valores da solidariedade, o olhar para o outro, procurar estar atento ao que nos rodeia, não ser indiferente. Muitas vezes andamos e não vemos ninguém na rua. Passamos pelas pessoas sem olhar para elas. No Rotary tentamos ultrapassar isso e estar atento ao que se passa à nossa volta.

Quando entrou, que ações eram, para si, mais fundamentais levar avante?
O Rotary é uma organização internacional que se dedica a implementar projetos humanitários. Os membros dos clubes, de forma voluntária, devem atuar e colaborar onde esses projetos são mais prementes. Sem invalidar todas as ações que os clubes têm em relação à comunidade local. É nestes dois parâmetros que nos situamos. E são complementares: apoiar a comunidade local e estar aberto e disponível para apoiar os projetos humanitários. Neste momento, há que estar atento a projetos que vão para países pobres, em que muitas das pessoas não têm voz.

No caso de Viseu, que projetos avançaram?
Projetos de apoio pontual ao que é mais necessário. O Rotary Club de Viseu é o quarto clube rotário português e nasce em 1934. Nessa altura, o clube estava numa sociedade em que a pobreza era muito, muito acentuada e em que as mães solteiras eram às dezenas. E esse foi o primeiro foco do Rotary Club de Viseu. Foi o arranque.

Numa altura de fortes incertezas, o movimento rotário pode atuar onde? Pode chegar à tal magistratura de influência?
Também. Procuramos chamar à atenção para os problemas que existem e que muitas vezes passamos sem olhar para eles. Procuramos estar atentos e, na medida das nossas capacidades, podermos ajudar a resolver. Temos, atualmente, o grande projeto da Universidade Sénior, que começa já nos anos 2000. Mereceu o apoio da Câmara Municipal de Viseu, Misericórdia de Viseu e Politécnico de Viseu. Há uma interação. É um projeto fundamental para pessoas que tiveram toda uma vida profissional, nas mais variadas áreas. Por razões de idade chegaram à reforma e, de repente, perdem os amigos do dia-a-dia. Um dos maiores problemas que percebemos que os seniores têm é o isolamento. E o que procurámos com a Universidade Sénior foi proporcionar-lhes novos conhecimentos, relações interpessoais e combater o isolamento. Neste ano letivo que termina no final de junho houve 209 inscrições. Já é significativo e já precisa de organização. E é extremamente importante referir que tudo funciona em regime de voluntariado. Temos 27 professores, de várias áreas de estudo, que são voluntários e a grande maioria não são rotários.

Houve, então, abrangência…
Conseguimos através da Universidade Sénior congregar alunos e professores. Reunimos com frequência para perceber o que se pode alterar, visitas de estudo… É um projeto que tem 22 anos consecutivos.

Vive hoje o momento mais alto?
Um dos. O projeto foi bem estudado e estruturado desde início. E no primeiro ano tivemos 112 alunos. A apresentação do projeto foi em outubro de 2001 e a 10 de janeiro de 2002 foi a data da primeira aula. Temos também a vertente de apoio a bolsas de estudo para o ensino universitário, sobretudo. Os movimentos rotários quando cedem bolsas de estudo é na base da integralidade. Ou seja, enquanto o aluno tiver aproveitamento, uma vez a bolsa aprovada, está garantida durante todo o curso. Neste ano concedemos duas bolsas de estudo, através da Fundação Rotária Portuguesa, e o nosso apoio é de 750 euros, sensivelmente o valor das propinas.

Mas há mais projetos…
Apoiamos o Banco Alimentar contra a Fome de Viseu, quer colaborando na recolha de alimentos, quer através de donativos individuais. No Natal, oferecemos cabazes de Natal para os mais pobres. Não somos nós, Rotary, que escolhemos as pessoas. Recorremos ao Hospital de Viseu e à Misericórdia de Viseu. São as instituições a indicar-nos quem é que precisa mais do apoio. Eles é que no dia a dia têm esses problemas em mãos. A intenção é ser abrangente e ter ao nosso lado outras instituições e podermos colaborar com elas. Continuamos a apoiar a Associação de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental de Viseu e a Associação de Paralisia Cerebral de Viseu.

A escolha do presidente de um qualquer clube rotário acontece uma vez por ano. Não há mandatos que duram mais do que um ano. É regra. É importante essa renovação?
Eu diria que é fundamental. O que nos marca e nos diferencia é que nos clubes rotários entram profissionais. Têm de ser pessoas que têm alguma profissão. Não exercem a profissão dentro do clube, mas vão dar o seu conhecimento e experiência profissional. Em Viseu, procuramos seguir a ordem de antiguidade para a liderança. O presidente lidera um conselho que tem cinco membros, para além dele: o presidente que saiu, o presidente que vai entrar, o secretário, o tesoureiro e o chefe de protocolo. Não há eleições. É uma escolha interna. O presidente do Rotary Club Internacional, que também muda todos os anos, não pode chegar ao Rotary Club de Viseu e dizer que não gosta de determinado sócio e que por isso deve ir embora ou escolher outra pessoa para ser sócia. Não pode. A admissão dos sócios é feita no próprio clube. Imaginando que alguém considera que outra pessoa tem o perfil para poder integrar o Rotary. Informa o conselho diretor que há uma pessoa que lhe parece ter condições para ser admitida. Tudo é tratado com o maior sigilo, porque estamos a falar de uma pessoa que nem sequer sonha que está a ser indicada para futuro rotário. O conselho diretor envia a todos os elementos do clube essa informação e os sócios têm dez dias para se pronunciar. Quem não se expressar, entende-se que está de acordo. E é a partir daqui que a pessoa será convidada a entrar no clube pelo sócio que apresentou a proposta, que passa a ser o padrinho em Rotary.

Atualmente quantos sócios tem o Rotary Club de Viseu?
Vamos terminar o ano rotário, a 30 de junho, com 40 sócios. Para um clube português é um bom número.

90 anos volvidos, onde é que o Rotary pode atuar?
Vou circunscrever-me a Viseu. Em Mangualde há um clube rotário e tem a sua área de atuação. Em Tondela, também. Nós procuramos não invadir as áreas dos outros clubes, ainda que seja normal entrarmos em contacto com um clube próximo e conversar. Procuramos perceber se podemos pensar numa determinada questão em conjunto. Este diálogo faz-se. Em Viseu o projeto da Universidade Sénior é para continuar, porque todos os anos entram novos seniores. E apoiar as entidades locais que continuem a precisar do nosso apoio. Falei da APPACDM e da APCV, pode surgir uma outra instituição e o clube tem de estar atento e aberto para analisar a situação e, se for caso disso, apoiar. Nós não temos barreiras. Não há muros. Aliás, o que é importante é derrubar muros.

Precisamente, sobre derrubar muros, hoje o humanismo tem de ser mais defendido do que nunca?
Creio que sim. Tenho essa convicção profunda. O humanismo é fundamental. Haver uma conduta de olhar o outro. Poder fazer algo por alguém que está ao nosso lado, quem vive junto a nós. Há mais de 38 mil clubes em 200 países e regiões geográficas. Portanto, há que estar sempre atento e aberto. As coisas não nos veem parar ao colo. Temos de ser proativos e olhar, ver, analisar e, se possível, apoiar.

Temos hoje uma sociedade com problemas como talvez nunca tenha tido?
Poderá exigir outras respostas. Os problemas sociais acabam por ir-se repetindo, com nuances diferentes. Enquanto rotários temos de estar atentos e ter o humanismo como bússola, como guia. O Rotary Club de Viseu mantém essa bússola. Espero que no futuro assim continue. Tenho praticamente a certeza de que isso continuará a acontecer.