Autor

Jorge Marques

22 de 03 de 2024, 17:58

Colunistas

A Democracia – Impasses e Desafios

É verdade, as democracias estão a ser sacudidas por ondas de protestos, populismos, um mau estar geral. Mas isto não é novo, tudo faz parte da sua história

Viseu pode orgulhar-se de ser uma Cidade do Desporto que cuida do físico, mas agora passa também a ser uma Cidade do Pensamento e que cuida do cérebro. Faz isso numa área do conhecimento difícil e onde existem muitas carências de literacia, de ideias e de reflexão. Em 22 de Junho passado foi criado o “Observatório de Ideias Contemporâneas Azeredo Perdigão”, nome de um filho ilustre desta cidade. Chamaram-lhe Beira e junta a Fundação Calouste Gulbenkian, a Câmara de Viseu e a Associação Viriatus14.
No último sábado (16 de março), o Beira promoveu a sua primeira grande conferência, num ciclo que se prolongará na Primavera, Verão e Outono. Realizou-se no Fontelo, no Solar do Dão, na Casa do nosso Bispo/Cardeal D. Miguel da Silva, talvez o primeiro a querer semear pensamento e conhecimento nesta cidade no Séc. XVI. O seu espírito regressou a esta casa para nos inspirar. Na liderança deste projeto e para fazer acontecer está o Eduardo Pinto com a energia do seu amor á Cidade de Viseu.
A primeira conferência, para fechar o Inverno, teve por título “A Democracia - Impasses e Desafios”. Um tema que está na ordem do dia e foi considerado uma das nove megatendências para as quais o Estado e a Sociedade têm que encontrar respostas. Um tema que está entre os nove perigos que condicionam o futuro de Portugal. A conferência de fundo foi apresentada por Daniel Innerarity, um Homem do Mundo, com uma vasta obra no domínio da filosofia política e considerado “um dos 25 grandes pensadores do mundo inteiro”.
Falou da erosão da política; da política e dos partidos; da permanente perceção da corrupção na política e do seu mau funcionamento; do abismo que existe nos cidadãos entre as expectativas e a realidade da política; que o essencial não está nos partidos, mas nas políticas; dos perigos da personalização; das políticas de emergência e do dar tempo á democracia. Provocou um conjunto de reflexões sobre estes temas e surgiram no ar diferentes inspirações entre participantes e intervenientes dos debates. A essas ideias junto também a minha reflexão!
A democracia é demasiado importante para ser deixada nas mãos dos políticos ou nas mãos de um povo que apenas vota. Também não é com os cidadãos nos lugares das decisões, mas com a transparência das Instituições e dos eleitos e com ambos a poderem ser julgados pela cidadania. A democracia representativa tem hoje dois inimigos, o mundo acelerado e um excesso de cidadania disfuncional. Por isso, ganha-se mais quando se melhoram os procedimentos do que criticando as pessoas que os dirigem. Esses procedimentos, as regras e as normas fazem parte da Inteligência Coletiva. Mudanças? Claro que elas continuarão ou como alguém referiu, a democracia é um estado em crise onde só a força da sociedade lhe dá o equilíbrio. Uma sociedade que com o fim das ideologias vai fragmentar-se em minorias que defenderão mais as causas do que as ideias. Também a aceleração do tempo levará a política para as emergências, para as urgências e para a satisfação imediata das reivindicações. Uma urgência que foi provocada pela necessidade de responder ás tecnologias. Foram elas que criaram esta aceleração!
Até na construção do futuro ficamos com a ideia que também ele está em crise. Mas ao mesmo tempo, ele não é um problema, porque depende de nós e do tipo de futuro que formos capazes de construir. Está em crise, porque achamos quase sempre que o passado foi melhor que o presente e fixamo-nos na ideia de um Eterno Presente! Adotámos o conceito de crise no seu pior, aquele que aponta para as dificuldades de toda a espécie. Outras culturas têm ideias diferentes dessa crise e deram-lhe significados como juízo, ponto crítico, decisão, disputa, capacidade para discernir e até oportunidade! As gerações digitais falam em disrupção, uma mudança radical! A democracia está em crise? Ela é um espaço de crises, porque é o centro de movimentos contraditórios. Esta que agora vivemos está atacada pela desregulamentação, menos participação do cidadão, neoliberalismo, declínio do Estado Social, prevalência dos lobbies, política-espetáculo, redução do investimento público. O que permanece são os aspetos formais da democracia, que ainda nos dão uma imagem de garantia da liberdade!
É verdade, as democracias estão a ser sacudidas por ondas de protestos, populismos, um mau estar geral. Mas isto não é novo, tudo faz parte da sua história. No entanto, parece que alguma outra coisa nos quer chamar a atenção! Será a desigualdade? Essa já esteve na base de muitas revoltas, mas não é a única razão! Estas ondas de protesto não são revoluções, mas também não parecem ser estratégia! Talvez possam ser formas de expressão que atacam o sistema político no seu todo, mas que não chegam a ser concretizadas em propostas de ação que apontem para um resultado concreto. Mais parece fabricarem frustração do que aspiração! Aquilo que nos incomoda, que produz um sentimento forte de insegurança é que deixou de existir confiança nos governos. Confiança em que eles queiram ou sejam capazes de enfrentar os riscos de uma forma eficaz e com equidade.
Chegamos a um ponto critico e que tem a ver com o objetivo desta conferência e do Observatório. Há um enorme défice de literacia política, uma opinião pública que entende a política e que a julga á sua maneira. A maioria de nós não entende e como dizia Durkheim: A incompetência dos representantes costuma ser o reflexo da incompetência dos cidadãos. Mas o que é essa competência política? É a capacidade de lidar com a diversidade de opiniões, de interesses e construir uma imagem coerente da realidade. Estamos a cumprir 50 anos de democracia e recordo as palavras de Ramalho Eanes quando se comemoraram os 40 anos da primeira eleição presidencial. Dizia ele: A República de Abril ofereceu as liberdades, mas esqueceu-se de criar cidadãos.
A tarde da conferência foi preenchida com a apresentação de casos práticos de alguns instrumentos da democracia. Falou-se da possibilidade e necessidade de reformas como: Círculos Uninominais e o Modelo Português; Democracia, Parlamentos e Primárias; Voto Obrigatório; Democracia e Quotas…