Autor

José Carreira

11 de 05 de 2024, 18:22

Colunistas

Não temos filhos. Não queremos imigrantes?

Uma em cada seis pessoas no mundo sofre de infertilidade, estima um relatório da Organização Mundial da Saúde

Na maioria das regiões do mundo, regista-se uma diminuição da natalidade. A preocupação com o sobrepovoamento dará lugar à discussão sobre o despovoamento e a imprevisibilidade das respetivas consequências. Esta tendência faz-se com maior intensidade nos países mais ricos, mas, com a exceção de algumas regiões africanas, está a tornar-se o padrão da demografia mundial. O envelhecimento da população e o declínio da demografia são uma realidade em muitos países. Portugal é um exemplo de duplo e acelerado envelhecimento, temos 182 idosos por cada 100 jovens, os idosos são quase um quarto de toda a população residente (23,4%), os jovens não chegam aos 13%. A estabilização da natalidade é uma questão central que não pode ser descurada, não deixando de considerar uma alteração fundamental, “no projeto de vida de muitos millennials, a criança não tem o seu lugar. Noutros momentos, não ter filhos era um sacrifício. Hoje, é o inverso, criar uma família significa sacrificar a independência.” (Anna Rotkirch, Demógrafa, in Financial Times).
O investimento público no acesso aos tratamentos de fertilidade deve ser priorizado. Não é aceitável ter listas de espera intermináveis, no Serviço Nacional de Saúde (SNS), para aceder à primeira consulta de apoio à fertilidade. Uma em cada seis pessoas no mundo sofre de infertilidade, estima um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS). O recurso aos serviços privados não está ao alcance de todos, requer investimentos avultados, restringindo fortemente o acesso. As políticas de saúde não podem deixar de lado esta questão, para que formas acessíveis, seguras e eficazes de ultrapassar a infertilidade estejam disponíveis.
Outra estratégia para inverter o desequilíbrio demográfico, a mais célere, passa pela imigração que deve ser encarada como uma oportunidade e não como uma fatalidade. A imigração é crucial para que a bomba demográfica não seja detonada. Também neste aspeto, e face ao novo quadro demográfico, não tardará muito tempo para que os países mais ricos disputem, entre si, a captação e o acolhimento de imigrantes, invertendo a lógica atual de levantamento de barreiras físicas e mentais.
Em ano de eleições europeias, o Parlamento Europeu ratificou o Pacto para as Migrações e Asilo, um dos dossiês mais complicados, problemáticos, tóxicos e complexos da última década. Continuamos a assistir à morte de milhares de pessoas no mar e à dicotomia, por vezes puramente ideológica, entre quem defende a “porta escancarada” e, por outro lado, os apoiantes do robustecimento de uma “fortaleza impenetrável”. Temos assistido, na Europa, onde os radicalismos emergem, a uma década de políticas insuficientes e ineficazes que conduziram à multiplicação das violações dos direitos humanos com consequências desastrosas para o direito à proteção internacional.
Em Portugal, os sinais são muito negativos. Por dia, entram na justiça 50 queixas de migrantes contra a malfadada Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) — herdeira do extinto SEF — que trata dos processos de legalização. Haverá 350 mil processos pendentes de estrangeiros que estão à espera de regularização. O caos ter-se-á instalado na AIMA que poderá, se nada for feito, colapsar. Uma prioridade para o Governo. O atual estado de coisas é intolerável. Ouvir em apresentações públicas, por parte de quem trabalha nos Centros Locais de Apoio à Integração de Migrantes (CLAIM), que a AIMA está incontactável, os telefones não são atendidos e o correio eletrónico fica sem resposta, é mais um sintoma do estado comatoso em que se encontra.
Incomodámo-nos com as condições dos imigrantes em Odemira, indignámo-nos com os Timorenses a viver nas ruas da capital, admirámo-nos com a sobrelotação dos alojamentos. São incómodos, indignações e admirações cilindradas pela voracidade das notícias, mais uma trica política, uma derrota do Benfica, um novo caso de corrupção...
As notícias de agressões a imigrantes no Porto, por parte de um grupo racista, terão ocorrido três ataques, não podem ser encaradas de ânimo leve. A normalização dos discursos de ódio pode trazer à tona o icebergue do qual, até há bem pouco tempo atrás, apenas se vislumbrava uma ponta.
Há questões concretas e emergentes que devem ser estudadas: o mercado de trabalho, a sustentabilidade dos sistemas de pensões, o acesso aos cuidados de saúde e às respostas sociais, a (in) existência de cuidadores…
As eleições europeias cativam pouco os eleitores, cabe aos partidos apresentar e debater temas concretos, inteligíveis e que façam a diferença na vida das pessoas. Sabemos que uma boa parte do nosso futuro coletivo é decidido no âmago das instituições europeias, não percamos a oportunidade de esclarecer o eleitor e de o motivar a cimentar o projeto europeu do qual nos podemos orgulhar.