Paulo Lopes

07 de 04 de 2021, 16:38

Cultura

Todos múltiplos de 1

A programação da nova temporada é destaque neste episódio do magazine do Teatro Viriato que conta com a habitual crónica de Patrícia Portela, diretora artística do Teatro Viriato, que aqui pode ler e ouvir no podcast 'Boca a Boca'.

Podcast Boca a Boca



No trimestre que passou, vivemos algumas aflições, muitas incertezas, recolhemo-nos de novo às nossas casas, assistimos ao fecho de escolas e de fronteiras, cuidámos dos nossos entes queridos, vimos a nossa cidade ser abalada por tempestades e pela perda de alguns dos nossos. No Teatro Viriato ensaiámos novas obras, reordenámos a programação, testámos novos formatos, reforçámos as nossas alianças e parcerias, amparámo-nos perante a permanente surpresa de mais um adiamento, de mais uma doença, de mais uma trágica notícia.
Nem sempre nos pareceu possível aguentar.
Nem sempre nos pareceu que tudo isto fizesse sentido.
Mas olhando agora para o programa que desenhámos e que agora vos oferecemos, vemos nele espelhado os quatro cantos do planeta, os três tempos de uma história comum (passada, presente, futura), os percursos biográficos e civilizacionais que nos unem e nos separam, a presença daqueles que já partiram e que nos acompanharam nesta construção, e, sobretudo, reconhecemos a vontade, a coragem e o esforço de tantos e tão dedicados artistas que não cessam de nos fascinar e de contar as nossas Histórias.
A partir de abril fazemos questão de recomeçar de novo o ano. A partir de abril poderemos visitar a “Rural Art Residency” na Arménia pela mão da sua curadora e artista plástica Lilit Stepanyan e de Pedro Sousa Loureiro.
Poderemos cheirar as primeiras frésias da estação com o “Festival Internacional de Música da Primavera” (que este ano inaugura ainda a nossa parceria na área da música com Sérgio Hydalgo, programador da Galeria Zé dos Bois, um casamento celebrado no Teatro Viriato que se deseja longo e feliz). Poderemos pendurar o nosso ramo de espigas na porta do quarto que partilhamos agora com o “Festival Internacional de Teatro de expressão Ibérica – FITEI”, o nosso novo companheiro de viagens transatlânticas. Poderemos abrir o verão com um passeio pelos múltiplos “Jardins Efémeros” na companhia de Chris Watson, ou André Gonçalves e passear ao lado dos Filhos de Abel, o projecto final dos alunos do 3º ano de interpretação da Escola Superior de Teatro e Cinema em residência no Teatro Viriato e a estrear pelas ruas de Viseu.
Visitaremos momentos únicos do passado com a reposição de “The Show Must Go on”, de Jérôme Bel, vinte anos após a sua estreia inesquecível; despedir-nos-emos deste mundo para podermos imaginar outros futuros com João Pedro Leal, Eduardo Molina e Marco Mendonça; Espreitaremos tudo aquilo que ainda não somos e vamos por certo ser com as apresentações finais da Escola de Dança Lugar Presente e o “Projeto Jovens Bailarinos”, da Companhia Paulo Ribeiro. Mergulharemos no nosso corpo, relendo-o em “A Minha História da Dança”, pela voz e memória de Sónia Baptista, abraçando-o no seu virtuosismo para o melhor e para o pior (“Pour le Meilleur et Pour le Pire”), na composição amorosa de Kati Pikkarainen e Victor Cathala para o Cirque Aitall; tentando decifrar o seu desejo de velocidade e implosão em “Cabraqimera” de Catarina Miranda.
Tentaremos compreender o lugar do pai na civilização ocidental através das memórias pessoais de Romeu Runa e Beatriz Batarda na encenação “Perfil Perdido”, de Marco Martins, ou o lugar que não deveria ser só da mãe em “Stabat Mater”, de Janaína Leite. Entraremos por múltiplas cidades habitadas por várias companhias como o Teatro da Cidade, os Possessos ou o AuÉÉÉu Teatro.
Recordaremos o 25 de abril e ensaiaremos a luta com o álbum de 2020 “Rapazes e Raposas”, de B Fachada e ouviremos ainda, e pela primeiríssima vez, o disco “Hair of the dog”, de Gabriel Ferrandini.
Do Chile à Arménia, passando por cidades imaginárias, do passado ou que queremos bem presentes, o Teatro Viriato conta ser o lugar da diversidade que qualquer vida deve ser e ter. Nunca esquecendo a singularidade de cada um e que se confirma na multiplicidade de vozes, de corpos, de caras, de estados, de humores, de desejos e de possibilidades que só se revelarão no momento do encontro entre o público e a arte que queremos oferecer. Contamos consigo para escrevermos juntos os próximos capítulos do diário de um 2021 que teima em recomeçar de novo em abril, um ano que inicia e onde cabe uma década.
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Patrícia Portela, diretora artística do Teatro Viriato