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01 de 06 de 2023, 13:29

Diário

Manifesto público contra o 'branqueamento do fascismo' e do Museu de Salazar em Santa Comba Dão

Artistas, professores, escritores, advogados e membros da União de Resistentes Antifascistas Portugueses pedem que este projeto seja definitivamente travado e abandonado

antifascistas

Um conjunto de várias personalidades da região de Viseu, a que se juntam outras a nível nacional, subscreveram uma posição pública contra o que consideram ser o “branqueamento e exaltação do fascismo” e apelam à “valorização da resistência e luta pela liberdade”, numa altura em que se fala da abertura do Centro Interpretativo do Estado Novo, em Santa Comba Dão.

Artistas, professores, escritores, advogados e membros da União de Resistentes Antifascistas Portugueses pedem que este projeto seja “definitivamente travado e abandonado”. Conceição Matos (ex-presa política), Henrique Amoedo (director Artístico do Teatro Viriato), João Carlos Gralheiro (advogado), Sérgio Dias Branco (professor Auxiliar de Estudos Fílmicos da Universidade de Coimbra) Manuel Rodrigues (diretor do Avante!) ou António Vilarigues (membro do Conselho Directivo da URAP) estão entre os cerca de 50 nomes que subscrevem o manifesto que foi esta semana tornado pública e que pretende chegar a mais pessoas.

Os subscritores consideram que o Centro Interpretativo – cuja data de inauguração não foi divulgada ainda pela autarquia – é uma afronta à democracia e à Constituição da República Portuguesa e que o empenho deve estar na valorização do Museu Nacional Resistência e Liberdade, em Peniche, e no Museu do Aljube – Resistência e Liberdade.
“Apelamos aos democratas da região das Beiras e de todo o país para que não cessem a luta e resistência às intenções de abertura deste ou de qualquer outro projeto com idêntico sentido”, pedem.

Para os subscritores, este é o momento em que é “decisivo o empenho e intervenção dos democratas e antifascistas” para que o projecto de criação de um espaço “de reabilitação do fascismo e de Salazar em Santa Comba Dão seja abandonado em definitivo”. “Depois da derrota das duas anteriores tentativas de criação deste espaço, é indispensável a mobilização de todos contra esta afronta ao regime democrático”, sustentam.

Desde que foi anunciada a criação de um espaço a que se lhe tem dado o nome de “Museu de Salazar”, que foram lançadas várias iniciativas para impedir a sua concretização, nomeadamente petições com mais de 35 mil assinaturas que foram discutidas e aprovadas na Assembleia da República. “
“Derrotadas que foram as duas tentativas de criação de um espaço físico em Santa Comba Dão, sob a capa de “Museu” ou “Centro de Interpretação” com a designação do nome do ditador ou de “Estado Novo”, animados por um contexto político onde floresce a promoção das forças e projectos reaccionários e retrógrados, a Câmara Municipal e o seu presidente anunciam a intenção de retomar a criação de tal espaço”, lê-se no manifesto que acrescenta ainda que “persistência e o explícito carácter populista dos que defendem a reabilitação da figura de Salazar e do fascismo em Santa Comba Dão, ou em qualquer outro lugar, atira por terra qualquer ideia de “um local de estudo e centro interpretativo do Estado Novo” ou de um pólo de desenvolvimento do concelho”. “Antes põe a nu o objectivo da iniciativa como instrumento de congregação de saudosistas do passado e centro de divulgação e acção, enquadradas na matriz e na concepção corporativa/fascista que a maioria do povo português sofreu sob o Estado Novo”, esclarecem os subscritores.

Um processo polémico

Ainda não há data prevista de abertura do Centro Interpretativo do Estado Novo, informou ao Jornal do Centro fonte do município que esclareceu que por questões de operacionalização e obras que ainda estão a decorrer não é possível a abertura do espaço.
Anunciado pela Câmara de Santa Comba Dão em 2018, a obra recebeu um voto de condenação, um ano depois, pelo parlamento. De então para cá, vários abaixos-assinados e avanços e recuos no projeto tornaram este Centro num processo com altos e baixos.
Em março deste ano, o presidente da Câmara de Santa Comba Dão, Leonel Gouveia, tinha anunciado que durante o mês de maio seria aberta a primeira fase do Centro Interpretativo do Estado Novo com a intenção de dar a conhecer o edifício da escola e colocar a sufrágio dos visitantes e dos munícipes “um projeto que foi trabalhado e validado”.
“O que as pessoas vão ver agora são alguns aspetos simbólicos, por exemplo, na área da educação relativamente ao Estado Novo. Mas, em cada um dos espaços por onde vão passar, poderão dizer: ‘daqui a quatro anos nós gostaríamos de ver aqui isto ou aquilo’”, explicou, na altura, o autarca.

António Oliveira Salazar nasceu no Vimieiro e a criação de um espaço dedicado ao Estado Novo não tem sido pacífica ao longo dos anos, devido aos receios de se vir a tornar um local de romaria dos defensores do ditador português.
Aludindo à polémica em torno do CIEN, que, segundo o autarca, tem erroneamente sido colocado nas páginas dos jornais como o nome de museu de Salazar, Leonel Gouveia reiterou que “a História não se apaga, ela tem de ser estudada” e o novo espaço será um contributo para isso.
Ainda em março, Leonel Gouveia anunciou que a autarquia estava a constituir uma nova comissão científica, tendo já feito convites a “investigadores do meio académico”, e estava a tentar obter financiamento para concretizar o projeto final.

Quando foi anunciado em 2018, o Centro Interpretativo do Estado Novo chegou a fazer parte da Rota das Figuras Históricas, iniciado pelo ADICES - Associação de Desenvolvimento Local e tinha uma parceria com o Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX (CEIS20), da Universidade de Coimbra, mas ambas as parcerias acabaram por ficar por terra. A primeira foi “descontinuada”, ficando a autarquia sem financiamento para avançar, e a segunda por “razões internas” do CEIS20.
Os vetores nucleares da rota seriam o Centro de Interpretação da Primeira República/Casa-Museu António José de Almeida (Vale da Vinha, Penacova), o Centro de Interpretação do Estado Novo (Vimieiro, Santa Comba Dão), o Centro de Interpretação do Antissemitismo e do Holocausto/Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes (Cabanas de Viriato, Carregal do Sal), o Centro de Interpretação da Estância Sanatorial do Caramulo (Caramulo, Tondela) e o Centro de Interpretação da Primeira República/Afonso Costa (Seia).