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27 de 04 de 2024, 17:00

Diário

Mapa interativo do distrito de Viseu dá a conhecer nomes, locais e eventos que fizeram o antes e o depois do 25 de Abril

Através deste mapa, pode, por exemplo, ficar a saber o que foi a Revolta dos Arcos, em Moimenta da Beira, o protesto das mulheres de Nelas na II Guerra Mundial ou a greve das vendedeiras do Mercado 2 de Maio, em 1970

Site abril em viseu

Elas e eles estiveram presos nas prisões do fascismo. Passaram por Caxias, Peniche, Aljube. Muitos souberam o que era o desterro. Eram presos para “averiguações” ou por serem “elementos indesejáveis”. Viram ser-lhes retirados os direitos. Ficaram a conhecer a tortura. São muitos os registos que fazem parte do Registo de Presos ( (PVDE/ PIDE) que podem ser consultado na Torre do Tombo, em Lisboa. Das mais de 30 mil fichas pessoais, muitas são de pessoas do distrito de Viseu. São estes os nomes que agora estão reunidos num mapa interativo online e que pode ser consultado a partir de 25 de Abril. Um mapa - abrilemviseu.pt - onde, um por um, estão os nomes de quem foi preso, perseguido, torturado, morto pelos seus ideais de liberdade e para que nenhum fique para trás. O mapa, desenvolvido por duas arqueólogas, uma jornalista e professor do Ensino Superior, contém ainda os locais e os eventos que retratam o que foram os anos de ditadura, os momentos de preparação da revolução, o dia da Liberdade e os acontecimentos que levaram até  à Assembleia Constituinte que ficou mandatada para preparar uma nova Constituição da República Portuguesa. Através deste mapa, pode, por exemplo, ficar a saber o que foi a Revolta dos Arcos, em Moimenta da Beira, o protesto das mulheres de Nelas na II Guerra Mundial ou a greve das vendedeiras do Mercado 2 de Maio, em 1970. O mapa interativo, que resulta da pesquisa em vários organismos e bibliografia e do desenvolvimento tecnológico feito nos últimos meses, é um projeto que tem lançamento a 25 de Abril, mas que, de acordo com os promotores, “está em constante desenvolvimento porque são muitos os temas, os eventos, as pessoas que fazem a história”. “Conforme se pesquisa alguém ou algum evento, muitas outras histórias surgem e são essas histórias que devem continuar a ser divulgadas sobre o distrito”, salienta o coletivo. Eis alguns dos nomes de pessoas que passaram pelas prisões do antigo regime e que fazem parte deste projeto


Basílio Lopes Pereira
Nasceu na Marmeleira, Mortágua, a 25 de Dezembro de 1893. Basílio Lopes Pereira foi democrata e republicano, lutador antifascista e um dos fundadores do jornal Sol Nascente. Esteve várias vezes preso. A sua ação começou quando ainda era estudante de direito. Já nos anos 30, foi acusado de ser “agente de ligação entre os elementos revolucionários de Coimbra e Viseu”. Participou no movimento revolucionário de abril de 1931, mas fracassada a revolta, escapou à prisão e juntou-se, em Espanha, ao grupo dos “Budas”. Regressou clandestinamente a Portugal e envolveu-se na preparação do movimento revolucionário de agosto de 1931. Preso novamente em 1932, em Lisboa, foi libertado sete dias depois. A 11 de março de 1933 foi novamente preso, “sob a acusação de estar envolvido em manejos revolucionários”. Tornou-se um dos mais representativos elementos do “Grupo dos Budas” no interior do país e um dos responsáveis pela Ação Anticlerical Anti-Fascista (os 3 AAA) que, durante a Guerra Civil de Espanha, procurou ajudar refugiados republicanos. Acabou preso a 26 de setembro de 1938 e enviado para a Cadeia do Aljube. Esteve ainda preso em Caxias, antes de seguir para o Campo de Concentração do Tarrafal, de onde saiu em liberdade a 10 de junho de 1942. Foi novamente detido em 1949, “para averiguações de crimes contra a segurança do Estado”.

Alzira Augusta de Lourdes Pinto Vieira
Republicana e feminista assumida, Alzira Augusta de Lourdes Pinto Vieira nasceu em Vilar de Besteiros, Tondela, a 8 de Junho de 1879. Foi na primeira décadas do século XX, já enquanto professora, que aderiu a organizações feministas na luta pela defesa dos direitos sociais e políticos das mulheres. Colaborou com a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, foi activista da Associação de Propaganda Feminista e aderiu à Cruzada das Mulheres Portuguesas, exercendo o cargo de Vice-Presidente da Subcomissão de Tondela. Nos anos 30, publicou textos e poesia na revista Portugal Feminino. Morreu em Boaldeia, Viseu, a 1 de Janeiro de 1970.

António Correia
Nasceu em S. Pedro de France, Viseu, em 1895. Por causa de uma carta, na II Guerra Mundial, enviada ao embaixador de Inglaterra em Portugal onde anunciava o apoio dos republicanos de Viseu à causa dos Aliados e a censura à posição de Salazar foi preso. Entre 1942 e 1945, conheceu as várias prisões fascistas como Peniche, Caxias, Tarrafal e Aljube, local a que chamou “pior do que o inferno”. O “capitão aviador”, como ficou conhecido, poucos dias depois de ter sido restituído à liberdade foi um dos oradores de um grande comício realizado no Teatro Avenida, em Viseu. Pela primeira vez depois do advento do fascismo salazarista era possível à oposição democrática de Viseu manifestar-se num acto público. Como tinha sido demitido dos cargos que ocupou na vida militar e destituído das patentes, trabalhou no comércio em Lisboa e Viseu como empregado. Na sequência do 25 de Abril, foi restituído, postumamente, no posto e na Arma de onde tinha sido demitido.

Júlio da Rocha Calisto
Nasceu no Tojal, freguesia de Vila da Igreja, Sátão, Viseu. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, exerceu advocacia em Ílhavo, Aveiro. Foi detido pela PIDE, no início de Dezembro de 1962, para averiguações por suspeita de “actividades contra a segurança do Estado”. Ficou um mês e meio nas prisões de Caxias e do Aljube, tendo sido libertado em Janeiro de 1963. Do processo arquivado na Torre do Tombo, depreende-se que a PIDE não conseguiu de Júlio Calisto nada sobre os colegas e as lutas que os envolviam. Fez parte da comissão organizadora do I Congresso Republicano, realizado em Aveiro, em 1957. Foi candidato, por Aveiro, na lista da Oposição, nesse mesmo ano.

José Moreira de Campos
Nasceu a 24 de Setembro de 1898, em Tondelinha, Viseu. Integrou o Movimento de Unidade Nacional Antifascista, constituído no final do ano de 1943. Trata-se do primeiro grande movimento unitário antifascista dos anos 40, em que estão representados o Partido Republicano Português, o extinto Partido Socialista (SPIO), a recém-criada União Socialista, o Partido Comunista Português, a Maçonaria, alguns anarco-sindicalistas, católicos, monárquicos e independente. Preso pela PIDE a 7 de Janeiro de 1952 por envolvimento na suposta intentona da Rua da Assunção, o comandante Moreira de Campos foi enviado para a cadeia do Aljube, sendo transferidos posteriormente para a Casa de Reclusão da Trafaria.

Conceição Matos
Nasceu em 1936 em São Pedro do Sul. Conceição Matos cedo começou a sua participação política, ainda no MUD-Juvenil. Ingressou no Partido Comunista na década de 50. Juntamente com Domingos Abrantes, com quem casou na cadeia de Peniche em 1969, esteve anos na clandestinidade. Conceição Matos foi detida (com Domingos Abrantes) no dia 21 de Abril de 1965 e ficou um ano e meio presa. Foi vítima de alguns dos métodos de tortura mais cruéis e humilhantes praticados pela PIDE. Foi espancada e, de acordo com depoimentos, despojada das suas roupas, obrigada a urinar e a defecar numa sala de interrogatório e a limpar a sujidade com aquilo que trazia vestido. “Presa pela Delegação em 21-4- 1965 por actividades contra a Segurança do Estado, tendo recolhido ao Depósito de Presos de Caxias”, é este o primeiro parágrafo da sua ficha da PIDE. Conceição Matos voltou a ser presa em 1968. Regressou a Caxias e ali ficou, em total isolamento, durante dois meses e alguns dias.

Diamantino Henriques
Conhecido como “o médico dos pobres”, Diamantino de Oliveira Henriques nasceu a 4 de Dezembro de 1930 e faleceu a 6 de Março de 1993. Foi impedido pela PIDE de exercer a sua profissão por causa das suas posições políticas. Passou alguns meses na prisão do Aljube e no Forte de Caxias. Em 1968 foi novamente preso por oposição à guerra colonial e acusado de atividades subversivas enquanto cumpria o serviço militar em Moçambique. Foi então julgado pelo Tribunal Militar, em Lisboa, e regressou a Nelas, onde estava a família. Foi impedido de exercer funções nos serviços públicos de saúde. Ficou conhecido como “médico dos pobres” por ajudar todos aqueles que não podiam pagar pelos seus préstimos enquanto médico. Depois do dia 25 de Abril, ajudou na divulgação dos valores da Revolução da Abril e o apoio aos militares libertadores. Ingressou como médico cardiologista no Hospital de Viseu onde trabalhou até falecer aos 62 anos. Antes, exercera a especialidade de pediatria.

Maria Teresa Almeida Cruz
Nasceu em Mangualde no dia 23 de Abril de 1940. Esteve sempre em ligação com a organização clandestina do PCP antes do 25 de Abril, assumindo um papel destacado nas lutas estudantis na Universidade de Coimbra. O combate à injustiça esteve sempre presente na sua vida e começou bem cedo, depois de concluir a licenciatura e ser colocada na Escola Dom António da Costa, em Almada. Integrou reuniões com outros docentes para partilhar assuntos que afligiam a sociedade portuguesa em plena ditadura, reuniões realizadas na clandestinidade. No regresso a Mangualde, reuniões de reflexão política e social não faltaram. As suas convicções causaram-lhe problemas. Sofreu agressões físicas numa mesa de voto e escapou a um atentado à bomba, tudo pelo amor ao povo e aos trabalhadores. Depois do 25 de Abril integrou sempre as listas autárquicas promovidas pelo PCP, sendo  eleita para a Assembleia Municipal de Mangualde, município que lhe atribuiu a Medalha de Ouro da Cidade. Agora, nestas comemorações dos 50 anos será uma das protagonistas a receber as chaves da Cidade.