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09 de 03 de 2023, 19:15

Diário

União de Resistentes Antifascistas Portugueses lamenta teimosia do autarca de Santa Comba Dão

Em causa a abertura, em maio, da primeira fase do Centro Interpretativo do Estado Novo

URAP fascismo Museu Salazar

A União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP) repudia o facto de se voltar a falar do Centro Interpretativo do Estado Novo (CIEN), espaço que ocupa a Escola Cantina Salazar, no Vimieiro, em Santa Comba Dão, e cuja primeira fase do projeto para ali idealizado abre portas em maio.
Ao Jornal do Centro, António Vilarigues lembrou que a URAP é contra “toda e qualquer tentativa” que faça o elogio à ditadura, “nem que seja esta forma que nem o presidente da Câmara sabe muito bem o que é”.

“Se não fosse um assunto demasiado sério, até se poderia pensar que é uma brincadeira. É inconcebível a atuação de um autarca no Portugal de Abril e num momento em que estamos a celebrar os 50 anos do fim da ditadura”, frisou o porta-voz da URAP a propósito do anúncio feito pelo presidente da Câmara de Santa Comba Dão de que o projeto final do Centro será construído com o contributo dos munícipes e dos visitantes.

António Vilarigues diz não compreender a atitude do autarca socialista em manter um projeto por muitos contestado. “Insiste em trazer uma estátua (que estavam na Direção-Geral do Património) de Salazar para Santa Comba Dão que seria colocada em praça pública, não fosse a reação negativa das pessoas. Incompatibilizou-se com os historiadores da Universidade de Coimbra (Núcleo que chegou a estar responsável pelo projeto científico do Centro) e agora abre um espaço que não sabe bem o que é. Felizmente que a maioria dos socialistas não partilha destas ideias”, criticou o porta-voz.

Desde que foi anunciada a criação de um espaço a que se lhe tem dado o nome de “Museu de Salazar”, que a URAP lançou iniciativas para impedir a sua concretização, nomeadamente petições que foram discutidas e aprovadas na Assembleia da República. “Sempre pugnamos pelo conhecimento daquilo que foi a ditadura, o fascismo e o papel de Oliveira Salazar, mas queremos que seja tudo conhecido do lado das vítimas, do que elas passaram. Isto tem de ser conhecido pelas novas gerações, mas não o elogio do ditador. Se há alguma entidade que tem pugnado para que seja conhecida a realidade do fascismo de 1926 a 1974 tem sido a URAP”, sustentou António Vilarigues que prometeu que a URAP não vai ficar quieta perante “a teimosia” de um autarca.

Tal como o Jornal do Centro tinha já avançado na quarta-feira, o presidente da Câmara de Santa Comba Dão, Leonel Gouveia, anunciou que durante o mês de maio seria aberta a primeira fase do Centro Interpretativo do Estado Novo.

“Pretendemos, por um lado, dar a conhecer o edifício da escola, que só por si tem valor histórico e, por outro, colocar a sufrágio dos visitantes e dos munícipes um projeto que foi trabalhado e validado”, explicou, agora à Agência Lusa, o autarca.
Ou seja, segundo Leonel Gouveia, o que as pessoas poderão ver a partir de maio “não é aquilo que as pessoas verão daqui a quatro anos”.

“O que as pessoas vão ver agora são alguns aspetos simbólicos, por exemplo, na área da educação relativamente ao Estado Novo. Mas, em cada um dos espaços por onde vão passar, poderão dizer: ‘daqui a quatro anos nós gostaríamos de ver aqui isto ou aquilo’”, explicou.
Leonel Gouveia referiu que “os conteúdos serão trabalhados em função daquilo que forem os contributos dos cidadãos, que serão analisados pela comissão científica e pela equipa de projeto”.
No seu entender, esta é uma forma de colocar “as virtudes da democracia em contradição com o que foi o Estado Novo”.

António Oliveira Salazar nasceu no Vimieiro, uma freguesia do concelho de Santa Comba Dão, distrito de Viseu, e a criação de um espaço dedicado ao Estado Novo não tem sido pacífica ao longo dos anos, devido aos receios de se vir a tornar um local de romaria dos defensores do ditador português.
Aludindo à polémica em torno do CIEN, que, segundo o autarca, tem erroneamente sido colocado nas páginas dos jornais como o nome de museu de Salazar, Leonel Gouveia reiterou que “a História não se apaga, ela tem de ser estudada” e o novo espaço será um contributo para isso.

“Nós só conseguimos realizar o presente, perspetivar o futuro e consolidar a democracia se conhecermos o nosso passado. Para que não se ponha em causa a democracia, é preciso perceber quais foram os erros do passado”, frisou.

A autarquia está a constituir uma nova comissão científica, tendo já feito convites a “investigadores do meio académico”.
O autarca contou que pretende dar a conhecer o projeto ao ministro da Cultura - que foi um dos subscritores de uma carta escrita a António Costa a pedir “Museu de Salazar, não!” - e “até, se possível, obter financiamento para concretizar o projeto final”, esclarecendo que se trata do “mesmo modelo que foi validado pelo CEIS20 (Centro de Estudos Disciplinares do Século XX, da Universidade de Coimbra)”.

O CIEN integrava o projeto de uma rede de centros interpretativos ligados à história e à memória política da primeira República e do Estado Novo, que não teve continuidade.
O objetivo era ter um conjunto de espaços de divulgação histórica sem vocação ideológica e, para isso, a Adices - Associação de Desenvolvimento Local estabeleceu um protocolo com o CEIS20, que ficou responsável pelo suporte científico do projeto.
Os vetores nucleares da rede seriam o Centro de Interpretação da Primeira República/Casa-Museu António José de Almeida (Vale da Vinha, Penacova), o Centro de Interpretação do Estado Novo (Vimieiro, Santa Comba Dão), o Centro de Interpretação do Antissemitismo e do Holocausto/Casa-Museu Aristides de Sousa Mendes (Cabanas de Viriato, Carregal do Sal), o Centro de Interpretação da Estância Sanatorial do Caramulo (Caramulo, Tondela) e o Centro de Interpretação da Primeira República/Afonso Costa (Seia).